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OPINIÃO - I encontro de bloguistas, a abstenção e a Democracia

Dois acontecimentos recentes impuseram-me uma reflexão sobre os novos tempos em que vivemos e sobre o sistema que nos organiza enquanto comunidade política.

Foram esses acontecimentos o encontro de bloguistas do Concelho de Penacova e a elevada abstenção verificada nas recentes eleições presidenciais. Aparentemente as duas situações nada têm a ver uma com a outra ou nenhum elo de ligação possuem que as possa relacionar. Mas têm. Tocam-se naquilo que é o busílis da actual situação que vivemos. Nas novas formas de construir a democracia e nos desafios que enfrenta actualmente. Na verdade, se a abstenção pode significar descrença, desconfiança e até rejeição do nosso sistema democrático, o encontro de bloguistas representa a reinvenção do sistema, a assunção de novas formas de participação, portadoras de sinais de mudança.

A abstenção nas eleições presidenciais do dia 23 de Janeiro, foi, nestas eleições mais do que noutras, o reflexo do descontentamento generalizado relativamente aos políticos, ás politicas e à forma como tem funcionado o sistema democrático. Descontentamento que não se funda na discordância pura e simples das opções políticas, no impacto das opções governativas na vida das pessoas. As razões são bem mais preocupantes. Têm a ver com a descrença no próprio sistema. Hoje, os cidadãos, mostram perceber o engano em que se transformou a Democracia actual. Perceberam que a ilusão do marketing e dos anúncios festeiros, não passou disso mesmo: de marketing e anúncios. Os agentes políticos governativos banalizaram a mentira e os “números de circo”.

Quem ocupa os mais altos cargos da governação têm uma honra que deixou de inspirar confiança. Basta recordar que se anunciam obras como essenciais num dia e se abandonam no dia seguinte, seja porque afinal não são tecnicamente viável, seja porque não há dinheiro. Num dia apregoa-se o controlo das finanças públicas, no seguinte dá-se uma conferência de imprensa apelando ao sacrifício patriótico de acudir às derrapagens das contas do estado, através de mais impostos, mais cortes de vencimentos e de benefícios sociais. Num dia apresentam-se pomposamente inovadoras receitas para a economia nacional, no outro entram-nos pela casa dentro notícias de medidas anunciadas, em que foram gastos milhões de euros em estudos e pareceres sem que se tivesse vislumbrado qualquer resultado útil. Toda a governação se enredou em mero cerimonial de anúncios para jornalista ver, devidamente trabalhados por uma “plêiade” de assessores de imagem e imprensa - que verdadeiramente conduzem os desígnios da política - no sentido de serem “consumidos” pelos cidadãos sem discussão ou debate. O cidadão passou a espectador de um espectáculo devidamente produzido para obstar à participação do público. A falta de valores éticos generalizada, enquadrada na hipocrisia como estado de alma permanente, é o mote de quem governa.

A abstenção, apesar de eu pessoalmente não a subscrever como atitude adequada, foi a reacção encontrada para mostrar repulsa por esta “Democracia”

Ora os bloguistas, pelo que representam a participação livre no debate público, podem assumir o contraditório ao dictat oficial.

Não haja dúvidas, de que a chave para a saída do enredo pueril em que se encontra o sistema, é uma participação mais activa dos cidadãos na discussão do futuro das comunidades. Os cidadãos têm que questionar em tempo real os poderes públicos, não se podem acomodar a meros consumidores de mensagem política fabricada em gabinetes, sempre em nome de estratégias de poder imediatos. Os cidadãos precisam também do palco, num sistema político em que o poder, supostamente, está na sua mão.

A internet pelo potencial difusor que tem, em especial as redes sociais e os blogues, é uma ferramenta imprescindível “à mão” de qualquer cidadão, onde quer esteja, para que possa participar no processo decisório. Nas redes sociais ou nos blogues, cada um de nós é uma opinião verdadeiramente livre, como é também um “jornalista” e um produtor de ideias e soluções com potencial para o desenvolvimento colectivo.

Talvez tenhamos hoje as ferramentas para ir à essência da Democracia, enquanto poder na mão do povo. Não haja dúvidas que o povo, com informação livre - não fabricada para consumo acrítico - com palco para expor o que pensa sem ditames alheios, com ligação directa aos decisores, tem estrada livre para concretizar a Democracia. A Democracia, por essência, é o sistema da transparência. Não existe Democracia com opacidade. Só com transparência se pode impossibilitar aos políticos disfarçarem a falta de competência. Os cidadãos, porque confrontando os decisores e com eles partilhando o poder, podem, com mais clarividência, ir seleccionando os melhores, aqueles que realmente se distinguem em mérito de curriculum profissional cívico e valores éticos. Tenho a certeza que os meros carreiristas do partido, aos poucos, perderão lugar.

Quando os cidadãos se sentirem envolvidos, sentirem que verdadeiramente contam enquanto parte integrante do processo de decisão do futuro, sentirem que o poder está nas suas mãos, não tenho dúvidas que a abstenção diminui.

Mauro Carpinteiro