OPINIÃO - O que o Guia Expresso nos diz (e não diz) sobre os hotéis e os restaurantes de Penacova - Luís Reis Torgal
Consta —
nem acredito que possa ser verdade, mas, se o for, faz parte do domínio do
incompreensível — que em França já se têm suicidado alguns grands chefs por terem perdido uma estrela no
Guia Michelin, que dá orientação aos gourmets sobre os melhores restaurantes.
Seja como for, isso pode significar, no domínio do simbólico, como é desonroso
para um ilustre Chefe de cozinha começar a perder credibilidade neste mundo em
que tudo é pautado pela concorrência, esquecendo afinal o que há de mais
importante — o sentimento de humildade e de fraternidade, o valor da crítica e
da autocrítica, que faz de cada um de nós seres criadores da História e não
simples marionnettes.
O “nosso
Guia Michelin” de restaurantes e hotéis é o Guia Expresso “Boa Cama, Boa Mesa”.
Não encontramos nele muitos restaurantes e hotéis de que gostamos e desdenhamos
de outros que lá estão, pensando que os seus autores passaram por eles depressa
de mais? — é verdade, mas também é certo que ele constitui um bom guia de
orientação por quem viaja por este Portugal. Enfim, independentemente da sua
qualidade e utilidade, não sei se os seus autores entenderam que o melhor
cartão de visita de uma unidade hoteleira ou de um restaurante é não só a
relação qualidade/preço, mas ainda uma boa harmonia entre três factores que
fazem um bom hotel ou um bom ou razoável restaurante: a boa comida ou a “boa
cama” (mais do que isso evidentemente), a boa decoração (uma taberna pode ser,
a seu modo, bem decorada) e o bom serviço pessoal, com a simpatia natural da
nossa gente e menos (mas também) o profissionalismo formal dos funcionários que
nos servem.
Penacova,
infelizmente, é carente de boas casas de restauração (palavra que irrita o meu
irmão gastrónomo, mordomo da confraria “Panela ao Lume”, uma das mais antigas
do país, porque acha que “restauração” e com R maiúsculo só existe uma, a
Restauração de 1640, que ditou a nossa independência em relação à Espanha da
Casa de Áustria). Ou seja, poucos são os restaurantes que supõem a harmonização
das coordenadas que descrevi. Isso é lamentável numa terra e numa região que
deveria fazer do turismo o seu ponto de honra, como sucedeu outrora, em que era
considerado um símbolo a nível nacional e que concitou o interesse de Raul
Lino, Manuel Emídio da Silva, Augusto Simões de Castro e da Sociedade de
Propaganda de Portugal. Mesmo que se coma bem em algumas dessas casas, mesmo
que os funcionários tenham a natural simpatia que referi, falta-lhes a
decoração adequada ou qualquer coisa mais que nos faz dizer que estamos perante
“um bom restaurante”. Um só exemplo, que lamento ter de vir a apresentar em
público: comi com uma confraria informal (com nome, “A ver e a beber vamos”,
mas sem fardas e símbolos) uma excelente lampreia num dos lugares mais afamados
da região, o Boa Viagem, no Porto da Raiva; todavia, a qualidade do serviço e
uma grande indelicadeza e a falta de profissionalismo dos patrões (na recepção
e no acto de pagamento) destruíram aquilo que poderia ter sido considerado um
excelente almoço.
Mas
falemos claro sobre o assunto que nos leva hoje a escrever, pela primeira vez,
para o blog “Penacovactual”, coordenado por
Pedro Viseu, que há muito me havia pedido colaboração. Já tinha problemas de
consciência por nunca ter escrito sequer uma linha…!
O Guia
Expresso “Boa Cama, Boa Mesa” de 2010 fazia referência a dois estabelecimentos
de Penacova, o que me encheu de orgulho, a mim que considero esta vila e a sua
região como “coisa nossa”, porque dali eram meus familiares próximos, primos,
parentes e amigos, e até (descoberta recente) o meu bisavô materno, porque
sinto as suas belezas naturais que por vezes nos querem roubar (essa da
mini-hídrica é própria de um país de incultos e incompetentes…!) e porque
escolhi uma das suas freguesias rurais para me instalar nos momentos de ócio.
Pois se virem o Guia do ano passado ali encontram, entre os restaurantes, “O Panorâmico”
e, entre os hotéis, evidentemente, o “Hotel de Penacova” (abandonado que foi,
em boa hora, o nome ridículo que ainda teve, “Palacete do Mondego”). No
entanto, se consultarem o mesmo Guia na versão de 2011, acabado de sair,
verificarão que nenhum desses estabelecimentos lá se encontra. Quanto ao
restaurante, embora possa haver outras causas que o Senhor Arménio conhecerá,
algumas poderia eu avançar, mas não o desejo fazer, pelo menos para já.
Relativamente ao hotel, o motivo é óbvio: o hotel fechou!!!
Nenhum
dos casos merece qualquer final trágico, mas um exame de consciência e uma
acção imediata para que o turismo de Penacova, que se pretende elevar, não caia
no esquecimento, não havendo nada que o salve, nem a “Semana da Lampreia”, nem
o Festival de Folclore ou qualquer iniciativa turística ou desportiva,
meramente ocasional, que se queira organizar.
O Hotel
de Penacova começou menos bem, não pelo plano de arquitectura da reconstrução e
pela decoração, que são muito interessantes (e ainda são, apesar de alguns
espalhafatos benignos de um tal irlandês que por aí andou), mas por outros
motivos que resultaram da concepção, mas sobretudo da gerência ou das gerências
que por ali passaram. Um hotel destes pode não ter um SPA (modernice hoje muito
em voga), mas teria de possuir espaço para se tornar também um centro de
reuniões culturais ou de empresas, o que poderia ter acontecido, desde o início
ou algum tempo depois, com a construção, em ligação com o hotel, de um edifício
para o efeito, no lugar do antigo hospital, que nunca poderia ter ficado
abandonado e sujeito a vandalismos de toda a espécie, como sucedeu.
Mas o
hotel era o que era e é o que é e havia, ao menos, que valorizá-lo, chamando
gentes de longe, estrangeiros e nacionais, e gentes de Coimbra, de toda a
região e até de Penacova. Mas não. Nunca ouvi ou vi que se atraísse a Penacova,
através de uma publicidade bem conduzida, turistas que exigem programas de
qualidade, mesmo de Coimbra, onde há muita gente que passa no IP3 e não conhece
Penacova! Por outro lado, a falta de delicadeza dos responsáveis e de alguns
funcionários foi sempre algo que notei no serviço do hotel. Quis dele fazer, em
certas circunstâncias, a minha sala de visitas, quando recebi alguns colegas e
amigos portugueses e estrangeiros, mas vi-me confrontado com refeições
deficientes, falta de delicadeza ou mesmo a arte de… “mal receber”. Por isso e
porque naturalmente me fui afastando do hotel, fiquei espantado e
agradavelmente surpreendido quando vi no Guia do Expresso de 2010 esta
referência, infelizmente acompanhada de uma má fotografia de um quarto, quando
o que de mais de belo havia a mostrar era o edifício ou a esplêndida paisagem
que se poderá dele avistar: “Decorado com gosto, o Hotel de Penacova destaca-se
pela fachada, conservada do edifício original, e pela simpatia com que os que
por aqui passam são recebidos”. Pensei então que tudo tinha mudado e que
deveria voltar a imaginar o hotel como um espaço de boa recepção. Afinal, pouco
tempo depois de ter lido este comentário, deparo-me com a notícia de que o
hotel… havia, pura e simplesmente, fechado!
Que
fazer? Como me dizia um experimentado dono de um restaurante, uma casa destas
leva anos e anos a construir, mas ao mais pequeno deslize toda a fama cai em 15
dias. O mesmo sucede com um hotel. Veja-se o desespero de quem viaja a pensar
no Hotel de Penacova, orientado porventura pelo Guia do Expresso de 2010, e,
como se costuma dizer, dá com o nariz na porta.
Não há
que esperar. Não há que pensar em soluções óptimas para o futuro do hotel,
pois, como sempre se disse, o óptimo é inimigo do bom. Deixar fechado o hotel,
numa altura em que se aproxima a época alta de Verão, é ir matando a ideia de
que Penacova tem de ser, acima de tudo, uma terra virada para o Turismo, que até
tem uma água de fama nacional que se vê na mesa de qualquer restaurante ou
hotel. Não se faça como o imaginado suicídio dos grands chefs a quem tiraram uma estrela no Guia
Michelin, que a ninguém aproveitaria, mas que o acto de excluir, justamente, o
Hotel Penacova do Guia do Expresso provoque uma saudável vergonha e o dinamismo
para o reerguer, como sucede a tanta unidade hoteleira espalhada nos lugares
mais recônditos deste país, lamentavelmente por tantos desconhecido. Querem um
exemplo? A antiga Estalagem de Nossa Senhora das Neves, onde fiquei há uns
anos, foi agora convertida no Hotel e SPA de Alfandega da Fé. Fica isolada, a
1000 metros de altitude, na Serra de Bornes, com uma paisagem que dali se
avista de cortar a respiração, sobre o rico e famoso vale da Vilariça.
Será que
a paisagem sobre o vale do Mondego, neste espaço lindíssimo da Beira Litoral, a
cerca de 30 quilómetros de Coimbra e a pouco mais do mar e da Figueira da Foz,
não atrai qualquer turista? Haverá quem possa resistir a este belo hotel, que
poderia ter o título de “hotel de charme”,
se as regras para impor esta categoria fossem outras e se eu gostasse de
galicismos? Pois que viva o Hotel de Penacova, sem o qual esta vila continuará
monótona e triste, sem vida e sem grandes motivos para fixar o turista. Num
momento de crise, é preciso produzir e Penacova tem excelentes condições para
produzir um turismo cultural e da natureza. Para isso, todavia, precisa também
de um bom hotel, para além, evidentemente, de bons restaurantes.