Xenofobia...?
Eram para aí oito horas da manhã, quando em 1974 cheguei de Angola, terra onde tive a infelicidade de nascer no ano de 1961, ano em que começaram os chamados ataques terroristas, depois de ter vindo a bordo de um Boeing 747, denominado na altura de “JUMBO”. Quando se abriram as portas do avião, há 36 anos atrás, a impaciência dos meus treze anos de idade, quase me fizeram pular de um salto para fora do avião, para descobrir cá fora um país diferente mas que era a terra dos meus pais. O frio fez-me gelar os bracitos nus, levantado os pelos e os poros num arrepio de frio, não compreendido.
A viagem do aeroporto até Benfica, casa onde moravam uns tios paternos, foi rápida e segura dentro de um Austin creme a tentar perceber a paisagem completamente diferente, o asfalto cansado, as barracas feitas á borda da estrada de chapas de zinco e em qualquer recanto, fazendo-me lembrar os “muceques” de Luanda, sendo que a construção era diferente e os materiais utilizados também.
Quase entrei em êxtase, sem ainda perceber muito bem o que me estava a acontecer. Estava numa terra diferente, arrancado da guerra e dos combates sangrentos entre facções na luta pelo poder, pelo meu pai, que entendeu que para nosso bem e para nossa segurança nos devia trazer para Portugal. Tempos difíceis começaram e sem casa para viver rumamos com destino à Lousã, terra do meu pai. Os estudos fomos continuando num meio completamente diferente, com muitas dificuldades e os preconceitos que existiam em relação a nós, ouviam-se na rua, na escola e ainda nos deitavam mais abaixo, como por exemplo, “vai-te embora retornado”, “andaste a roubar os pretos”,”é mais fácil encontrar um melro branco, do que um retornado sério” e outros ditos na altura, que marcavam a alma e feriam por dentro, fazendo jorrar a raiva da minha indiferença.
Percebi, que este era um povo amargurado, enraivecido contra o anterior regime, debilitado por uma revolução que não sabiam no que ia dar, mas que uma coisa já lhes tinha trazido: liberdade, em alguns casos libertinagem. Foi este povo, que acabou por me ver crescer no meio de tanta dificuldade, de tanta injustiça e sem me ter acarinhado muito, habituou-se a mim, ao meu trabalho, à minha forma diferente de estar e ao fim de muitos anos, acabei por me sentir incluído, apesar de tudo.
Na altura foi muito difícil essa integração, mas mais difícil de digerir, foi o que me aconteceu agora, passados 37 anos do 25 de Abril de 1974, quando em plena assembleia Municipal, “onde ocupo o cargo de deputado municipal por inerência, em virtude de ser Presidente de Junta de Freguesia”, oiço de um colega deputado, “ferido na asa, como diz o Rui Veloso” sem se saber muito bem por quem, frases do tipo que vou passar a transcrever – Que eu era Africano, que eu era branco de segunda, supondo eu, que ele devia ser de primeira.
Depois de ouvir estas coisas e outras talvez até mais absurdas, fiquei com a nítida sensação de que este país, que no fundo é tão meu como dele, ainda não atingiu a maturidade democrática suficiente, que faça com que o respeito pelas pessoas, pelos lugares em que nasceram, pelo que são na vida, pelo que representam na sociedade, pelas opções políticas que tomaram, venha ao de cima em qualquer debate, ou discussão que possa existir.
Guardei, como infelizmente guardo quase tudo e prometi na hora escrever sobre isto, para que possamos todos sair a ganhar em próximos debates, senão utilizarmos estas expressões ou outras parecidas que até roçam a má educação. Fiquei triste, sim fiquei muito triste e pensei que Penacova pudesse não ter gente xenófoba, que utiliza este tipo de argumentos para se defender, atacando! Dizendo assim, pela boca fora palavras que magoam, que doem, que fazem ferida, o xenófobo vangloria-se, tornando-se até pior do que um racista.
A xenofobia como nos diz a WIKIPÉDIA, “é o medo irracional, aversão, ou pura antipatia, em relação a grupos ou pessoas, ou desconfiança em relação a pessoas estranhas ao meio”. Assim sendo a xenofobia pode manifestar-se como medo a um desconhecido, a alguém com uma cultura ou raça diferente e esse medo mascara a pessoa sob a forma de actos discriminatórios, intolerância, que por si só, levam ao preconceito. Espero que todas estas atitudes acabem e que todos nós possamos fazer um exame de consciência, reflectindo sobre o que realmente importa, deixando de lado estas ideias e estes pensamentos, que só levam à construção de barreiras e muros cada vez mais altos. Eu não posso continuar a partilhar parte da minha vida, parte do meu tempo, com pessoas que tenham atitudes xenófobas.
O senhor, das duas uma: Ou não percebeu o que foi dito na Assembleia, ou não é sério.
ResponderEliminarNão vou discutir aqui consigo, visto haver locais próprios para o fazer.
Quanto aos leitores do Penacova Actual, que aguardem pela aprovação e posterior publicação da acta da referida Assembleia para tirarem as devidas ilações.
Ass: António Fonseca