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INCÊNDIOS - Estado gasta quase quatro vezes mais no combate do que na prevenção dos fogos

Governo prevê gastar 74 milhões de euros no combate aos fogos e apenas 20 milhões na prevenção. Para os especialistas, maior aposta na prevenção permitiria diminuir a despesa e aumentar a eficácia.

O Estado gasta quase quatro vezes mais no combate aos incêndios florestais do que na prevenção. A Autoridade Nacional da Protecção Civil (ANPC) indica que este ano o dispositivo de combate aos fogos tem um custo previsto de 74 milhões de euros, enquanto o Ministério da Agricultura e do Mar estima que vai gastar perto de 20 milhões na prevenção estrutural.
Somados, são 94 milhões de euros atribuídos aos incêndios florestais, 79% dos quais destinados ao combate e apenas 21% à prevenção.
Esta proporção pode vir a pender ainda mais para o dispositivo de combate, já que, alerta a ANPC, o valor previsto para este ano "está sempre sujeito a alguns ajustamentos tendo em conta, essencialmente, o peso associado às despesas extraordinárias".
O ano passado, a situação não foi muito diferente, tendo o dispositivo de combate custado 75 milhões de euros e a prevenção estrutural 18 milhões. Isto significa que 81% da verba foi gasta no combate contra 19% na prevenção.
O relatório anual relativo aos incêndios de 2012, um documento do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e da ANPC, explica as parcelas incluídas nos 18 milhões de euros. A maior fatia (10,6 milhões de euros) destinou-se a financiar parcialmente as 278 equipas de sapadores florestais (1390 elementos) e os Grupos de Análise e Uso do Fogo (GAUF).
Nas infra-estruturas de defesa da floresta contra incêndios foram gastos perto de 3,8 milhões de euros, que incluem a beneficiação de pontos de água, a manutenção da rede viária florestal e a execução de faixas de gestão de combustível. Para a comparticipação dos gabinetes florestais das autarquias foram destinados 3,19 milhões, tendo ainda sido atribuídos 400 mil euros a acções de sensibilização.
Francisco Rego, antigo director-geral dos recursos florestais, lamenta a discrepância de gastos e defende um maior equilíbrio na distribuição de verbas entre a prevenção e o combate. Mas, acima de tudo, o professor do Instituto Superior de Agronomia realça que é necessário articular as duas estruturas para que as medidas se tornem mais eficazes. "Não há vasos comunicantes entre o sistema de prevenção e o de combate. São estruturas muito separadas", sublinha. E exemplifica: "A abertura de faixas de combustíveis deve ser feita tendo em conta os acessos que permitem realizar o combate. Mas isso nem sempre acontece."
O professor universitário lembra que os GAUF tinham esse objectivo, trazendo mais conhecimento para o combate aos grandes fogos, e lamenta que os grupos tenham sido praticamente desmantelados. "O que existe são umas equipas montadas à ultima hora só para se dizer que não se acabou com isto", diz Francisco Rego.
Desde 2011 que estes grupos sofreram uma mudança radical de funcionamento, tendo-se reduzido o número de equipas e também alterado a sua composição. Estas passaram a contar com menos técnicos florestais especializados na análise do comportamento do fogo e no seu uso para combater incêndios.
Pedro Carrilho, técnico florestal na Tapada de Mafra, não se surpreende com a discrepância de gastos. "A gestão florestal e a prevenção é um trabalho mais difícil que não tem tanta visibilidade", justifica. E acrescenta: "Não há muita gente que queira trabalhar na floresta. Não é bem pago, nem valorizado socialmente." O engenheiro lamenta, por exemplo, a míngua no novo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas. "Nos serviços florestais existe um técnico por distrito que não tem mais ninguém abaixo de si."
Francisco Rego não contesta a fusão entre o Instituto de Conservação da Natureza e a Autoridade Florestal Nacional, mas lamenta que os fogos tenham sido menorizados na nova estrutura. "Antes havia uma direcção autónoma para tratar desta área, agora ela está integrada com as doenças florestais", critica. O antigo director-geral dos recursos florestais considera que esta desvalorização resulta ironicamente do sucesso das medidas tomadas após os anos trágicos de 2003 e 2005. "Quando há um relativo sucesso, assiste-se a um desinvestimento no problema como se ele tivesse desaparecido. Por isso é que ele se torna cíclico", acredita.
Paulo Fernandes, professor do Departamento de Ciências Florestais da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), defende que a proporção de gastos está invertida: "Devia-se gastar muito mais na prevenção. E a longo prazo isso iria permitir gastar menos no combate." O universitário atribuiu o pouco investimento na floresta à invisibilidade deste trabalho e diz que, por isso, é mais fácil apostar no combate. "A área florestal é extensa. As intervenções significam um esforço imenso. É um trabalho que nunca acaba e que é preciso manter continuamente."
Como Francisco Rego, o docente da UTAD considera que há uma separação das estruturas de combate e da prevenção que não faz sentido. "Muitas vezes, o combate não sabe tirar partido da prevenção, usando, por exemplo, zonas com menos combustível que foram sujeitas a acções de fogo controlado", exemplifica. Paulo Fernandes sustenta que "os bombeiros se limitam a esperar pelo fogo na estrada", tendo muita renitência em intervir no espaço florestal o que torna inúteis muitas infra-estruturas de defesa da floresta contra incêndios.

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