MOSTEIRO DO LORVÃO - Programa do concerto Inaugural do Órgão Histórico do Mosteiro de Lorvão
Teve a música grandes cultoras em Lorvão, em todos os tempos.
Abundam na documentação do mosteiro as referências, quer a instrumentos
musicais, quer a instrumentistas e cantoras. Os ofícios de coro exigiam
solenidade, perfeição e gravidade, conforme a determinação dos Capítulos Gerais
da Ordem de Cister e as normas codificadas no Livro de Usos e Cerimónias. O
órgão veio a assumir-se no decurso do século XVII como instrumento
indispensável ao esplendor das cerimónias litúrgicas, graças aos
aperfeiçoamentos técnicos e estéticos de que foi sendo alvo.
A primeira referência a um órgão de tubos em Lorvão data de
1668, o que pressupõe a sua anterior existência. Em 1719 a comunidade decidiu
mandar fazer um novo, profundamente remodelado em 1727, na caixa e nos
mecanismos, e com nova reforma em 1742. Não teve muitos anos de uso este órgão
reformado, pois foi desmontado em 1747, durante as obras de construção do novo
coro e quando se pensava em reedificar também a igreja de forma mais grandiosa.
Logo que o coro ficou pronto, cerca de 1748, e começou a ser utilizado para o
ofício divino, procedeu-se à reinstalação do órgão desmontado, antes que se
pensasse em mandar fazer outro novo, o que só seria possível depois de
concluídas as obras da igreja.
Em 1764, quando se fizeram os retábulos do antecoro,
trabalhava-se igualmente nas tribunas ou varandins em que se viria a instalar o
novo órgão. Mas só vinte anos mais tarde, em 1784, houve disponibilidade para
avançar com a obra. Para o efeito foi contactado o escultor e organeiro Manuel
Machado Teixeira, natural de Braga e estabelecido em Coimbra, com oficina na
rua de Sobre Ribas. Manuel Machado Teixeira era pai de Joaquim Machado de
Castro e de António Xavier Machado e Cerveira. Ao primeiro comunicou o gosto
pela escultura, ao segundo o da organaria. Um e outro se distinguiram e foram
figuras cimeiras na sua arte. Foi certamente devido à avançada idade de Machado
Teixeira que, à obra vultuosa que as cistercienses de Lorvão pretendiam fazer,
se associou António Xavier. O contrato para a sua execução foi celebrado em 15
de julho de 1785, mas esta sofreu contratempos vários, como o falecimento de
Manuel Machado Teixeira. Também o projeto inicial foi ultrapassado com a adição
de novos registos e outras alterações. Só em 1795 o órgão ficaria pronto e,
conforme se pode ver na assinatura que António Xavier Machado e Cerveira lhe
apôs, tem o n.º 47 de fabrico. Importou em mais de sete contos e seiscentos mil
réis, verba avultada que só acabou de ser totalmente liquidada em 1806, o que
denota já algumas dificuldades financeiras na governação do mosteiro. Com
efeito, os tempos já eram bem diferentes da época áurea anterior. É esta a
explicação para o facto de, tanto as caixas do órgão como as tribunas do
antecoro, nunca terem sido pintadas e douradas como estava previsto e era comum
em todas as obras congéneres. Em 1791 levaram três demãos de aparelho, somente.
O douramento e pintura, que lhes emprestariam nova beleza e fulgor foram sendo
adiados para melhores dias, que não mais voltaram. Com isto, o órgão de Lorvão
ficou impedido de transmitir a mensagem estética visual que lhe fora destinada.
Há que distinguir no órgão a parte de organaria da de
marcenaria, escultura e talha. Quer uma quer outra são do mais alto nível, o
que confere a este instrumento o estatuto de verdadeira obra-prima entre os
órgãos históricos nacionais. Embora não haja referência documental direta ao
nome do escultor e entalhador, é sabido que António Xavier Machado e Cerveira
se instalou em Lisboa na oficina de Joaquim Machado de Castro, ao Tesouro
Velho, e como era estreita a colaboração profissional entre ambos, é lógico
que, absorvido e entregue aos trabalhos de organaria, deixasse para a oficina
do irmão a fatura da caixa do órgão laurbanense, que ele próprio também
contratara.
Contudo, nem seria necessária esta dedução documental. Basta
olhar para a escultura decorativa, para o filiar estilisticamente na arte de
Machado de Castro. O parentesco é por demais evidente em certos pormenores que quase
têm o valor da marca da sua oficina ou da sua assinatura. Graciosos
anjos-músicos esvoaçam em movimentos delicados, enquanto outros se quedam em
diversas atitudes, tangendo com brio variados instrumentos. Especialmente
encantador é o relevo em moldura arrendada, da fachada da igreja, com cinco
anjos dispostos assimetricamente, movimentando-se sobre nuvens em diferentes e
graciosas atitudes e posições. São uma exaltação de Cister, mostrando
ostensivamente os atributos de S. Bernardo: três livros, emblemáticos dos seus
inumeráveis escritos, um báculo, a mitra abacial e uma pena. Provavelmente
teria sido também Machado de Castro o delineador de toda a caixa, onde se
patenteiam bem os princípios estéticos que o norteavam, isto é, os de um
barroco classicista, com algum racionalismo de conceção, decorrente da
filosofia das Luzes e tão característico da época rococó, bem patente na
disposição e articulação dos diversos corpos. Foram utilizadas na execução
madeiras de castanho e pinho de Flandres.
Com este alentado e belo instrumento ficaram as monjas
laurbanenses habilitadas e estimuladas para a prática da música litúrgica no
mais alto grau de perfeição. Muitas delas foram exímias organistas, como se
documenta pelos assentos dos livros de óbitos.
Nelson Correia Borges
Programa
1ª PARTE
JOHANN KUHNAU (1660-1722)
Sonata prima: Il Combattimento trà David e Goliath
[1] Le bravate di Goliath
[2] Il tremore degli'Israeliti alla comparsa del Gigante, e la loro preghiera
fatta a Dio.
[3] Il Coraggio di David, ed il di lui ardore di rintuzzar l'orgoglio del
nemico spaventevole, colla sua confidenza messa nell'ajuto di Dio.
[4] Il combattere frà l'uno e l'altro e la loro contesa
- vien tirata la selce colla frombola nella fronte del Gigante
- casca Goliath
[5] La fuga de' Filistei, che vengono perseqvitati ed amozzate dagl' Israeliti.
[6] La goia degl' Israeliti per la loro Vittoria.
[7] Il Concerto Musico delle Donne in honor di Davide.
[8] Il Guibilo commune,ed i balli d'allegrezza del Populo.
JOHANN SEBASTIAN BACH (1685-1750)
Suite inglesa nº 2 em lá menor
Sarabande (avec les agréments de la même Sarabande)
Bourrée I / II
CARL PHILIPP EMANUEL BACH (1714-1788)
Sonata em lá menor, Wq 70/4
(Sonate per L'Organo solo, 1755)
Adagio (com Cadenza improvisada)
Sonata I em Dó maior
(6 Clavier-Sonaten für Kenner und Liebhaber, 1779)
Prestissimo
Harald Vogel, órgão
Harald Vogel é reconhecido como uma das maiores autoridades sobre a
interpretação da música de órgão alemã dos períodos gótico, renascentista e
barroco. Como director da Norddeutsche Orgelakademie Órgão, que fundou em 1972,
ensina interpretação histórica em instrumentos originais. Desde 1994, também
ensinou na Hochschule für Künste em Bremen. Harald Vogel ofereceu muitas
masterclasses em conservatórios e universidades de todo o mundo, tendo
influenciado inúmeros organistas e organeiros .
Como superintendente da musica de igreja e consultor para órgão na Igreja
Reformista, é responsável por um grande número de órgãos históricos no noroeste
da Alemanha. Como especialista na construção de órgãos, ele tem sido um
consultor para muitos projectos de organaria, incluindo restauros e novos
órgãos. Os exemplos incluem os órgãos de Igreja Memorial da Universidade de
Stanford, São Paulo em Tóquio e a Örgryte Kyrka em Gotemburgo. Entre as muitas
gravações de Harald Vogel destacam-se as realizadas em instrumentos históricos
feitas para Radio Bremen entre 1961 e 1975. Essas gravações têm hoje um valor
particular como documentações históricas. Em 1981, fundou o Festival Dollart, o
primeiro festival europeu de música antiga que atravessa fronteiras nacionais.
As publicações de Harald Vogel incidem sobre os órgãos na Baixa Saxónia e na
Frísia Oriental. Editou a Tabulatura nova de Samuel Scheidt (Breitkopf).
2ª PARTE
FREI DIOGO DA CONCEIÇÃO (séc. XVII)
Batalha de 5º tom
Meio registo de 2º tom
(Livro de órgão de Frei Roque da Conceição, 1695)
CARLOS SEIXAS (1704-1742)
Sonata para órgão em lá menor
Sonata para órgão em Sol maior
ANÓNIMO (Portugal, séc. XVIII-XIX)
Discurso para órgão (1805)
FREI JOSÉ MARQUES E SILVA (1782-1837)
Versos do 1º tom
III – Moderato – Allegro comodo
V – Allegro comodo
II – Allegro non molto
MARCOS PORTUGAL (Portugal, 1762-1830)
Sonata para órgão em Ré maior
João Vaz, órgão
Natural de Lisboa, João Vaz diplomou-se em Órgão pela Escola Superior de Música
da mesma cidade, sob a orientação de Antoine Sibertin-Blanc, e pelo
Conservatório Superior de Música de Aragão em Saragoça, onde estudou com José
Luis González Uriol, como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian. É também
doutorado em Música e Musicologia pela Universidade de Évora, tendo defendido
uma tese sobre a música portuguesa para órgão de finais do século XVIII, sob a
orientação de Rui Vieira Nery. Tem mantido uma intensa actividade a nível
internacional, quer como concertista, quer como docente, em cursos de aperfeiçoamento
organístico. Efectuou mais de uma dezena de gravações discográficas a solo,
salientando-se as efectuadas em órgãos históricos portugueses. Como executante
e musicólogo tem dado especial atenção à música sacra portuguesa, tendo
publicado diversos artigos em revistas especializadas e fundado em 2006 o grupo
Capella Patriarchal, que dirige. Lecciona actualmente Órgão na Escola Superior
de Música de Lisboa. Fundador do Festival Internacional de Órgão de Lisboa em
1998, é actualmente director artístico das séries de concertos que se realizam
nos seis órgãos da Basílica do Palácio Nacional de Mafra (de cujo restauro foi
consultor permanente) e no órgão histórico da Igreja de São Vicente de Fora, em
Lisboa (instrumento cuja titularidade assumiu em 1997).
Depois de ter lido esta notícia , baseada em dados fornecidos por Dinarte Machado, segundo assim compreendi, não poderei deixar de fazer algumas observações, para minha melhor compreensão, e creio que para os leitores em geral.
ResponderEliminarSendo o historial escrito fundamentado ou copiado de pesquisas feitas, cujo teor não me desperta grande interesse para ser discutido, o mesmo não direi no que se refere a determinados pareceres, que suponho sejam também da autoria de Dinarte Machado, relacionados com “os seus conhecimentos como Mestre Organeiro”.
Sobre a sonoridade original ou alterada ao longo dos 200 e poucos anos da sua existência, creio que quererá referir-se apenas e somente, ao número de tubos e de registos, e não à qualidade ou carácter de som em si, o que estará dependente de diversos factores ainda por ele não mencionados. Será?
Quando se refere ao, onde se pode fazer essa comparação? Penso que apenas se refere também ao volume sonoro em relação ao número de tubos/registos. Terá Dinarte Machado encontrado qualquer prova ou documentação técnica e não apenas teórica para se fundamentar? Seria deveras importante que disso desse conhecimento que justifique a conclusão a que terá chegado.
Por outro lado e o mais importante ainda, refere-se aos consultores que nomeou, Harald Vogel e João Vaz, que segundo é do meu conhecimento, e até prova em contrário, são apenas Organistas com mais ou menos reputação no ensino, ou como instrumentistas, mas não certificados profissionalmente na prática da arte da Organaria.
Apesar de várias insistências junto do Secretariado da Cultura, para que desse conhecimento sobre os Consultantes Certificados que tem assistido aos Restauros ou pseudo-restauros, feitos e a fazer, dos Órgãos Históricos em Portugal, continua até hoje sem resposta.
Tudo por agora, e em favor dos Indefesos Órgãos de Tubos, Antigos ou Históricos em Portugal.
Manuel da Costa
Sydney, 2 de Maio de 2014
http://www.meloteca.com/pdf/biografia_manuel-da-costa.pdf
Por uma falha havida no parágrafo 5, este é aqui rectificado:
ResponderEliminarQuando se refere ao "seu som original" e depois: "procurar que o som fosse idêntico ao original, onde se pode fazer essa comparação? Penso que apenas...