MEMÓRIA - Penacova e Vitorino Nemésio ou Vitorino Nemésio e Penacova
Em 15 de Junho de 1980, decorridos
dois anos sobre a data da sua morte, a Câmara Municipal de Penacova prestou homenagem
a Vitorino Nemésio.
Coincidindo com a celebração da
escritura de doação de um dos três moinhos que possuíra na Portela da Oliveira,
o dia ficou marcado pela significativa cerimónia que ocorreu naquele local e
que contou com a presença de Natália Correia e de David Mourão‐Ferreira.
Uma lápide (mó) colocada junto do moinho que entretanto foi recuperado, ainda
hoje recorda ao visitante a relação daquele escritor ao nosso concelho. Mas que
ligação a Penacova? ‐ poder‐se‐á perguntar. Recordemos alguns aspectos biográficos.
Com 18 anos, partiu dos Açores e
conheceu pela primeira vez o Continente. Concluiu o liceu em Coimbra em 1921
tendo depois, nesta cidade, cursado Direito. Em 1924 vamos encontrá‐lo no Curso
de Ciências Histórico Filosóficas da mesma Universidade. Em 1925 matricula‐se no
curso de Filologia Românica. Em 1926, também na “cidade dos estudantes”, casa com
Gabriela Monjardino de Azevedo Gomes.
Em 1930 transfere‐se para
a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa onde haveria de concluir o curso
de Filologia Românica, começando, de imediato, a leccionar literatura italiana
e, mais tarde, literatura espanhola. Anos depois, foi também professor no Brasil.
Entre Lisboa, onde faleceu a 20
de Fevereiro de 1978, e Coimbra, onde também passou muitos anos da sua vida, foi
esta cidade, que escolheu para ser sepultado, não muito longe da casa onde
viveu no Tovim. Pouco antes de morrer, terá pedido para ser sepultado no
cemitério de Santo António dos Olivais e pediu também que os sinos tocassem o Aleluia
em vez do dobre a finados. O seu pedido foi respeitado.
Quem passar no Tovim, a caminho do
Picoto dos Barbados, poderá ver, à esquerda, uma lápide colocada num muro,
junto a um pequeno portão, mesmo à beira da estrada, com os seguintes dizeres: “Falte‐me sonho
um dia e a vida é como se morte. Vitorino Nemésio. Casaréus”. A propósito deste
local, cuja casa não escapou à demolição, escreveu no seu blogue em 2007 o artista
plástico Costa Brites: “Da habitação do grande artista conversador apenas
sobrou uma modesta porta, actualmente encastrada no muro duma luxuosa vivenda. Bem pouca coisa
para lembrar o mestre, ou francamente menos do que mereceria o seu vulto
criador, atendendo à presença assinalável que teve nesta cidade de Coimbra.
Coimbra, Penacova...Talvez seja
fácil, agora, perceber um pouco da sua relação com Penacova, com a sua
rusticidade, com as suas belezas naturais.
É no Guia de Portugal, dedicado à Beira Litoral, publicado pela Fundação
Calouste Gulbenkian, que encontramos os excertos que usualmente são citados, a propósito
de Penacova:
“Como o casario se dispõe num aglomerado
fechado em si, e por assim dizer, de costas voltadas para o rio, é preciso chegar
às abertas e miradouros para achar a razão de ser da fama de Penacova, que é o
seu admirável panorama de água, pinho e penedia.”
E ainda: “A margem do Rio
Mondego, comprimida e baixa, vai‐se alargando de povoados, mas a
cultura racional e rendosa já não é Penacova: Penacova é luz e penedia, com o
quer que é de pirenaico trazido às proporções da ternura e da rusticidade
portuguesa”.
Também no livro de crónicas
Viagens ao Pé da Porta, em especial naquelas que levam títulos como “O Cavalo e
a Serra”, “O Velho Domingos” e “Outono no Buçaco”, Nemésio refere, por exemplo,
os moinhos do nosso concelho e a povoação do Roxo.
Além dos três moinhos da Portela
da Oliveira, também foi dono de uma mata na freguesia de Sazes. Foi em Penacova,
ali junto ao Cartório Notarial, onde assinou as escrituras, que terá saboreado
os Peixes do Rio de Escabeche. Outros sabores de Penacova o terão deliciado, já
que a sua empregada e cozinheira, Maria da Anunciação Antunes, era natural dos
Palheiros (Sazes).
No ano 2000, também em homenagem a
este grande nome da cultura portuguesa, foi inaugurado o Museu do Moinho Vitorino
Nemésio na Portela da Oliveira. Contou com a presença do Prof. José Hermano
Saraiva, que no livro de visitas deixou escrito: “Agradeço a Penacova este
reencontro com um amigo que foi dos mais primorosos lapidadores da palavra portuguesa”.
Escreveu ainda: “Agradeço esta piedosa recolha de recordações que evocam o pão das
hóstias que comungamos e também as côdeas do pão que o demónio amassou”.
No dia 25 de Abril de 1999 a Câmara,
em colaboração com os Bombeiros, com a Escola Beira Aguieira, Escola Secundária
e Instituto Educativo de Lordemão, realizou um encontro subordinado ao tema “Se
Bem me Lembro de Nemésio” invocando o nome do programa televisivo que conferiu ao
grande poeta uma extraordinária popularidade e que “fazia parar Portugal”, como
alguém escreveu.
A terminar este já longo texto,
fiquemos com as inspiradas palavras de Madalena Caixeiro, proferidas no
referido Encontro: “Apaixonado pela Natureza quer aproximar‐se sempre
dela. Aqui no Continente não tinha a mesma paisagem marítima, nem os mesmos cheiros,
nem as mesmas palavras vindas do mar, nem o grito das gaivotas. Mas há verdes e
amarelos e também há moinhos de vento que abrem as suas asas enormes sobre a
Terra de todos os Homens.
Aqui, precisamente em Penacova,
Vitorino Nemésio tornou‐se dono de moinhos e atrevo‐me a pensar que muitas vezes se deve
ter encostado aos seus muros para compor os seus enredos e criar as suas personagens. Na insularidade dos moinhos
encontrava‐se
certamente com a insularidade das ilhas. É que os moinhos e as ilhas, por muito
estranho que pareça dizê‐lo, não são muito diferentes. Ambos estão sós: os moinhos
na vertente das colinas, as ilhas perdidas no mar. E se as ilhas criam
fantasmas e mistérios, os moinhos criam movimentos e musicalidade. As ilhas
remoem‐se
nas suas areias, no seu permanente contacto com o mar, os moinhos remoem a fertilidade
das farinhas com as suas asas.”
David Almeida