ABORTO insiste-se na legislação ‘penso-rápido’
A recente
alteração à lei de despenalização do aborto é mais um exemplo da forma
invertida de legislar em Portugal, de incidir na consequência e negligenciar a
causa, de querer esconder a face visível de um problema sem criar condições
para se atingirem efeitos positivos na sociedade.
«É uma lei do tipo
penso rápido. Tapa-se a ferida, para ninguém ver o que está por debaixo», a
realidade do problema e a realidade do país, afirma a Enfª Isabel Oliveira,
Presidente do Conselho Diretivo Regional da Secção Regional do Centro (SRC) da
Ordem dos Enfermeiros.
Constata que na Região
Centro, a exemplo do que se verifica no resto do país, há situações de
dificuldade de acesso das mulheres às consultas de planeamento familiar, uma
situação perfeitamente evitável, quando Portugal tem enfermeiros disponíveis
para fazer esse acompanhamento nos centros de saúde.
A Enfª Isabel Oliveira
identifica também um contexto socioeconómico que reforça esse
constrangimento, nomeadamente o horário de funcionamento das consultas, a maior
parte delas em período laboral. Há mulheres a prescindirem delas (As mulheres
prescindem delas) para não perderem suplementos salariais associados à
assiduidade e produtividade.
Abordar a problemática
do aborto implica recuar no tempo, mais do que intervir na interrupção do
aborto, deve intervir-se na prevenção da gravidez não programada e desejado.
Isto significa intervir na adolescência. Os sucessivos governos têm
negligenciado a necessidade de uma forte aposta da educação para a saúde nas
escolas. Neste caso em concreto, sobre a saúde sexual e reprodutiva. A alocação
de profissionais de saúde nas escolas está condicionada ás questões
economicistas! Não existem profissionais de saúde nas escolas em permanência,
nomeadamente enfermeiros.
«Neste caso o Governo
não pode dizer que não há profissionais disponíveis, porque os há», e até
procuram a emigração para poder trabalhar, observa.
Realça ainda que uma
adolescente dificilmente se descoloca ao seu centro de saúde para falar das
questões da sexualidade. O receio de ser confrontada com um familiar ou uma
vizinha na sala de espera pesam nessa decisão de não recorrer aos serviços de
saúde. A facilidade de acesso a informação pelas redes sociais e internet,
alguma dela pouco fundamentada e com necessidade de clarificação e
desmistificação, carecendo de devida interpretação, afastam ainda mais os
adolescentes dos serviços de saúde.
O programa de Saúde
Escolar pode e deve ser desenvolvido e implementado pelas Unidades de Cuidados
na Comunidade (UCC). Estas unidades não existem em todos os centros de saúde.
As que existem, na maior parte das situações, lutam com falta de recursos.
«Não existem uns
programas de saúde mais importantes do que os outros. Na saúde tudo é
importante. A realidade é que não há enfermeiros nas escolas, e eles são lá
necessários, no ambiente dos adolescentes, onde eles passam a maior parte do
seu tempo, para se assegurar a acessibilidade à educação sexual livre de
barreiras, às consultas de planeamento familiar, a métodos contracetivos, no
fundo, a uma educação sexual digna», sublinha a Presidente do Conselho Diretivo
Regional da SRC da Ordem dos Enfermeiros.
A presente alteração à
denominada lei do aborto (Lei 16/2007), acrescenta, revela que se continua a
atuar na consequência e não na causa, podendo uma mudança decisiva passar pela
recolocação de enfermeiros nas escolas, ocupados nessas e noutras atividades de
educação para a saúde.