OPINIÃO - A União e a Realidade

O papel das atuais crises vieram
provar as fragilidades europeias, e ao mesmo tempo, caracterizaram as crises
como estados de alma. De 2010 até 2016 só se falou na crise económica com as
intervenções e os riscos na Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália e
Chipre. Entretanto passou-se para a crise política do desmembramento, com os
movimentos independentistas no Reino Unido e Espanha e da saída da União pelo
Reino Unido. Como se não bastasse esta foi sucedida pela crise do terror e dos
refugiados, com os dramáticos movimentos migratórios e os atentados nos
corações da Europa. As crises sucedem-se e substituem-se, apagando da memória
todas aquelas que ainda continuam. Continua a existir crise económica, com
crise de crescimento, riscos de deflação, alto nível de desemprego jovem na
União e ciclos económicos desfasados entre os Estados-Membros. Continuamos com
crise política nos Estados Europeus. O Reino Unido ainda não realizou o
referendo quanto à sua continuação na União, existindo o risco da city of
London realmente sair e abrir um precedente na história da Europa Unida. As
eleições regionais em França mostraram que o voto em partidos nacionalistas
pode ser um voto útil e sedutor em contextos de crise, e respostas nacionais e
europeias são urgentemente necessárias. A atual crise do terror e dos
refugiados revê-se em respostas não coordenadas dos Estados-Membros, que
levantam fronteiras, sobrecarregam os seus parceiros, demoram a tomar medidas e
colocam em causa a União fundada na dignidade humana, liberdade, igualdade,
Estado de Direito e respeito pelos direitos do Homem.(artigo 2º do Tratado da
União Europeia)
Neste sentido a União torna-se
incapaz de se impor como organização, pela sua complexidade, pela sua
singularidade. A maior construção democrática e a maior experiência de
integração económica internacional é fruto de Estados Soberanos. Não existe uma
instituição líder europeia. Na sua pluralidade de Presidentes, uma declaração
do Presidente da Comissão, ou do Conselho, ou do Parlamento Europeu são como
declarações difusas de Estado, não se sabendo, na prática, quem efetivamente
tem poderes de orientação sobre a Europa. Acresce-se que, pela sua importância,
o Presidente do Banco Central Europeu, sem qualquer responsabilidade de
orientação política inerente, consegue influenciar também os desígnios da
União. Neste vazio institucional surgem líderes de Estados-Membros que
conseguem ser a voz da União, mormente considerada a Chanceler Alemã. A
relevância geoestratégica da União Europeia não coincide com a sua capacidade
geopolítica, caracterizando-se como um vazio no sistema internacional. Uma
crise de identidade é o resultado de todas as outras, na qual os académicos
mais românticos que ainda discutem a Legitimidade Democrática da União Europeia
arriscam-se a vir a discutir a Legitimidade da União Europeia para os Estados
dela pertencentes. Por fim, a esta crónica de crises poder-se-á somar uma crise
que tenho lido e discutido com alguns colegas: a crise geracional e da
consciência de Estado, do desaparecimento daquelas personalidades, pais
fundadores que incubaram a ideia de uma “Paz Perpétua” Europeia, no anseio de
evitar os horrores que assolaram a sua geração, das Guerras do século passado.
Armando Filipe Rodrigues Mateus