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EFEMÉRIDE | Culto de São Miguel: Devoção e Obrigação



A Igreja celebra neste dia S. Miguel (ou S. Miguel Arcanjo), figura bíblica que assume na história religiosa especial relevância, sendo venerado não só pelo Cristianismo, mas também pelo Judaísmo e Islamismo. De acordo com os ensinamentos católicos, a este santo se atribuem quatro papéis principais: comandante do Exército de Deus e o líder das forças celestes; o anjo da morte, levando a alma de todos os falecidos para o céu; medidor das almas numa balança perfeitamente equilibrada (juiz dos mortos); e o de guardião da Igreja.


Os santuários cristãos em honra a Miguel começaram a aparecer no século IV. Invocado como anjo de cura, seria elevado a protetor e líder do exército de Deus contra as forças do mal. No século VI, a sua devoção atingira já grande expressão tanto no Oriente como no Ocidente, vindo a ser reverenciado por ordens militares de cavaleiros durante a Idade Média, cujo papel se estenderia à glorificação como padroeiro de numerosas cidades (Bruxelas e Kiev, por exemplo).

As numerosas igrejas e capelas dedicadas a S. Miguel testemunham a força do seu culto entre nós, o qual transitou para manifestações artísticas diversas com os seus característicos atributos: escudo, dragão e balança. É, também, prova inequívoca da sua proliferação as diversas profissões que o têm como padroeiro: fuzileiros, marinheiros, paraquedistas, paramédicos, radiologistas, entre outras. No mesmo sentido, todas as capelas reais portuguesas são dedicadas a S. Miguel, em louvor do triunfo sobre as forças do mal.

Até às reformas liberais do séc. XIX o dia de «S. Miguel de Setembro» estava associado não só a devoção mas também a obrigação. De facto, era a data escolhida por senhores e foreiros, a partir do calendário agrícola e mediante celebração de contratos de aforamento, para o pagamento das prestações devidas pela exploração da terra: cereais, vinho, galináceos ou dinheiro. Estes acordos, reduzidos a escrito, nem sempre eram cumpridos como se pode ainda hoje observar nos livros de contabilidade de vários senhorios laicos ou eclesiásticos. 

Ontem como hoje, a vida do agricultor estava dependente não só da capacidade produtiva das terras mas também das condições atmosféricas. Cumprir o estipulado era um exercício incerto e difícil que lançava apreensão nas comunidades logo que o tempo das colheitas se aproximava. Oxalá o ano fosse farto em vinho, milho, batatas, castanhas. Ou, pelo menos, numa destas culturas, para minorar a crise certa que se instalava nas famílias e comunidades quando os senhores (ou administradores e rendeiros agindo em seu nome) viessem exigir o pagamento das dívidas, quantas vezes de forma implacável e insensível.

Apesar da imensa riqueza, que provinda da exploração da célula campestre permitiu alimentar senhorios levando à edificação de Paços, Solares, capelas privativas e outros luxos que hoje fazem as delícias do nosso Património, importa não olvidar que tudo teve um preço, quantas vezes altíssimo, e pago com a própria vida. 

Em tempo de colheitas pelo país fora, com descamisadas e vindimas, celebremos as festas religiosas e profanas que hoje decorrem pelo mundo em honra de S. Miguel, mas não esqueçamos aqueles que no anonimato pereceram à sombra da sua titulação na esperança do dever cumprido.

João Pinho - Historiador


Legenda da foto: Capela de São Miguel da Universidade de Coimbra