OPINIÃO - Um ano de Geringonça, quem diria?
O Governo – ou melhor, a solução
governativa - celebrou recentemente um ano de existência, tempo suficiente para
fazer uma reflexão ponderada do que mudou no país durante os últimos doze
meses.
Quando António Costa se propôs a
“virar a página da austeridade”, poucos esperariam que fosse possível alcançar
as várias metas a que se propôs. Na verdade, poucos esperariam sequer que a
“Geringonça” se aguentasse durante muito tempo, não só pelas reconhecidas
diferenças entre o PS e os seus parceiros BE e PCP, mas também porque Bruxelas
sempre impôs uma rédea curta e nem perante os primeiros sinais positivos perdeu
o olhar reprovador.
Mas eis que ao fim de um ano a
Geringonça tem resultados para apresentar, quer nas metas económicas, que são
as que interessam a Bruxelas, quer na devolução de rendimentos, que é o que
interessa à maioria dos portugueses.
Assim, e em jeito de resumo, eis
as conclusões gerais mais relevantes que retiro do actual contexto político:
Afinal, há alternativa.
O governo comprometeu-se com a
devolução de rendimentos, o cumprimento das metas orçamentais e com o
crescimento económico sustentado e aparentemente tem-lo conseguido. Apesar dos
constantes avisos oriundos de Bruxelas, especialmente nos meses iniciais de
governação, o executivo manteve-se fiel aos seus princípios e ao programa que
apresentou e conseguiu resultados satisfatórios apesar do clima desfavorável.
Ao exceder as expectativas na redução do défice e obter o maior crescimento
económico da zona euro no terceiro trimestre deste ano, o governo obrigou mesmo
Bruxelas a baixar a cabeça.
Os comunistas não são o papão.
Muitas vezes tidos como partidos
de protesto por natureza, PCP e BE estão a revelar-se parceiros valiosos não do
governo mas dos portugueses. Ao formar com o PS a improvável aliança
anti-austeridade, os partidos da esquerda funcionam como a nova consciência
social do governo, restringindo a ânsia neo-liberal proveniente da Europa, da
oposição e até de alguns sectores do PS e assegurando que os visados de sempre
não são esquecidos. Ao Primeiro-Ministro cabe a tarefa de guiar a governação do
país dentro dos limites impostos por Bruxelas e das exigências da esquerda em
que se apoia, algo que tem conseguido através do diálogo e negociações
constantes. No fundo, aquilo que define a democracia.
A incoerência da direita.
Mais de um ano após a tomada de
posse deste governo, a oposição ainda não foi capaz de formar um discurso de
oposição coerente. A narrativa fatalista, impregnada de responsabilidade e
moralidade forjadas até cai bem junto do Português, não fosse o Fado parte da
nossa identidade colectiva, mas a verdade é que bate sempre ao lado. As sanções
europeias, os colégios privados, o “imposto Mortágua”, o défice, o crescimento…
enfim, a lista é infindável. Não é que o governo seja isento de críticas, não o
é, mas a direita nunca esteve confortável no lugar de oposição e as actuais
lideranças - especialmente a do PSD - não só não têm a autoridade moral para
criticar quaisquer tipos de medidas, especialmente as económico-financeiras,
como parecem também não ter a capacidade para o fazer: as contradições são
evidentes. Se a evolução natural das coisas não o fizer, as eleições
autárquicas encarregar-se-ão de criar as condições para que uma liderança mais
capaz surja no principal partido da oposição.
Portugal, o improvável exemplo a seguir na Europa.
A nível internacional, Portugal
atravessa uma boa fase. Os recentes êxitos desportivos trouxeram reconhecimento
a nível europeu junto da população geral; a nomeação de António Guterres como
Secretário-Geral das Nações Unidas reflecte-se no país e o actual governo
parece também ter alterado o estatuto de Portugal perante a Europa, afastando o
clima de repreensão constante que trazia o país num estado depressivo
permanente. Mas mais do que isso os movimentos Sociais-Democratas europeus
olham hoje para Portugal com renovada expectativa. Os fenómenos populistas, de
extrema direita e nacionalistas contrastam com o espírito da geração Erasmus e ameaçam
reverter anos de progresso no âmbito dos Direitos, Liberdades e Garantias de um
dia para o outro. Neste mundo de novas ditaduras e silenciosas anexações de
territórios, a Europa vê em Portugal o improvável bastião da Social-Democracia
(e do bom-senso…), especialmente depois do falhanço de Pedro Sanchez na Espanha
e a recente queda de Matteo Renzi em Itália.
Portugal parece ter alterado o
seu fado. Não devemos, no entanto, baixar o nível de exigência para com o
governo. A obtenção de uma situação económica estável é a prioridade, mas o
país exige reformas. A descentralização é um assunto que parece não sair do
papel, a justiça precisa de uma reformulação profunda, a educação e a saúde sofrem
de sub-financiamento e ainda há um longo caminho a ser percorrido no que
concerne ao esbatimento das desigualdades. O verdadeiro trabalho ainda nem
sequer começou, mas eu tenho esperança.
Rui Sancho