FERIADO MUNICIPAL - Ainda as palavras do Presidente da República em Penacova



O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, esteve em Penacova no dia 17 de Julho, neste ano de 2019 em que se assinala o centenário da eleição de António José de Almeida como Presidente da República, transformando o feriado municipal em grande dia de festa e de mobilização dos penacovenses que à sede do município acorreram em grande número.

Os órgãos de comunicação social, nacionais e regionais, presentes em massa, não deixando de fazer algumas referências à apresentação do projecto da Casa Museu em Vale da Vinha e de invocar o nome de António José de Almeida (AJA), acabaram por dar maior destaque a outros pormenores, porventura mais mediáticos. Também as redes sociais foram invadidas pelas “selfies” e pelas fotografias de circunstância, que não deixam de ser importantes nestes momentos de afirmação da identidade nacional e local, mas que não comprometem verdadeiramente as pessoas no serviço à comunidade.

Lançando um olhar pela comunicação social, concluímos que as palavras do Presidente da República pouco ou nada ultrapassaram o espaço em que foram proferidas. Escrever-se, por exemplo, em grande título de primeira página “Marcelo apela ao combate à corrupção e compadrio” ou noticiar “Presidente da República compra 124 euros em livros em Penacova “é, na nossa opinião, ficar pelo acessório e embarcar num certo sensacionalismo.

A intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa centrou-se, naturalmente, na figura de António José de Almeida e no ideário republicano pelo qual este penacovense lutou ao longo da sua vida política. Porque acreditamos que a escrita ainda poderá resistir à voracidade do tempo, consideramos oportuno e pertinente registar aqui os pontos principais do discurso do Presidente da República.

“Vale a pena olhar para aquilo que António José de Almeida foi como pessoa, como político e como estadista, para “aquilo que significou para a 1ª República e para o País.“ - começou por afirmar o mais alto magistrado da nação.

No discurso de improviso, a que já nos habituou, Marcelo Rebelo de Sousa salientou a coragem como sendo uma das características psicológicas determinantes de António José de Almeida. “Era de uma coragem ilimitada”: coragem que lhe permitiu como militante desde os bancos da escola [entenda-se, Universidade] assumir a luta política e prosseguir depois na imprensa, nos comícios, onde se revelou um grande orador. E essa luta teve custos: “Soube arrostar com as consequências: preso, atacado, criticado, perseguido, a tudo resistiu.”

E Marcelo Rebelo de Sousa concretizou, recordando que, “mais tarde, revelou essa coragem no exercício do seu mandato em que foram formados 16 governos - e só não foram dezassete porque o 17º não chegou a tomar posse”. E acrescentou: “Mais do que isso, sabe-se hoje que ele correu riscos de vida, que podia ter sido uma das vítimas da Noite Sangrenta, a noite mais sangrenta da Primeira República. Ele sabia disso e não desertou, não cedeu, não partiu. Continuou fiel a si próprio no exercício das suas funções”.

Mencionou também, além da coragem, a inteligência e “a capacidade de escrita e de oratória”, no fundo, “o poder de arrastar através do Verbo”. “Ele sensibilizou, fez pedagogia em todas as circunstâncias, enquanto um dos líderes do Partido Republicano e depois enquanto líder do Partido Evolucionista, enquanto Governante, enquanto Presidente da República.”

Marcelo Rebelo de Sousa foi mais longe ao dizer que AJA tinha ”um coração de ouro: na capacidade para ouvir, para entender, para fazer concórdia, para conciliar.” Neste ponto, o PR salientou o papel de AJA no Governo da União Sagrada em que apesar das discórdias e das dissidências havidas nos primórdios da Primeira República, aceitou formar Governo com o Partido Democrático. Dirá mais à frente que no Governo da União Sagrada, AJA “esqueceu aquilo que o opunha a outros republicanos e aceitou, durante a Guerra, a junção do seu governo por razões de interesse nacional". De 1919 a 1923, enquanto Presidente da República " foi constante a sua preocupação em construir pontes, em ultrapassar malquerenças, em evitar ódios, em resistir a retaliações e ameaças". “Era, pois, uma personalidade notável, de um trato fino, de uma capacidade de aproximação, de uma paciência explicada pela sua formação como médico.”

A propósito de democracia, o PR recordou que "as democracias precisam de pedagogia e de uma pedagogia de todos os dias, para não estiolar, para não morrer." Nesse sentido, defendeu que "é um erro considerar que uma democracia é um dado adquirido" sendo necessário, todos os dias, aprender com os sucessos e com os erros e melhorar a qualidade da mesma. "E para melhorar a qualidade da democracia é importante a história, é importante ter memória."

Enumerou, de seguida, muitos dos valores e princípios republicanos: “o valor da honestidade e da transparência no exercício de funções públicas, o combate ao despotismo, ao favoritismo, à corrupção, ao clientelismo." Também o "combate à pobreza, as injustiças, às assimetrias entre territórios e entre pessoas.”

Pelo ideário republicano passou ainda "a preocupação com a abertura e com a tolerância, com a aceitação da diferença, com a aceitação dos outros. Não apenas a tolerância no debate das ideias, mas na aceitação de outras culturas, de outras civilizações, de outras maneiras de viver".

António José de Almeida preocupou-se com a instrução pública, "desde o ensino primário até às universidades (que criou a juntar àquela que tinha sido a sua universidade)." Além da educação, preocupou-se com as "condições sociais de vida, com o trabalho, com a solidariedade social" que despontou, de forma tímida, com a República, mas que se desenvolveu e aprofundou com o Estado Social. "Tudo isso é uma lição que devemos reter, uma lição para a qual António José de Almeida contribuiu" - enfatizou o Presidente da República.

Marcelo Rebelo de Sousa aludiu ainda a outros aspectos que têm “um traço de António José de Almeida. O apoio a “instituições que eram pioneiras na defesa do direito das mulheres num país que praticava e praticaria durante muito tempo, a discriminação no trabalho entre homem e mulher", e também a defesa da Festa da Árvore, “uma forma que hoje consideraríamos ingénua, mas um modo de cultivar o respeito pela natureza, antevendo muitas das preocupações que hoje temos com o ambiente”.

Antes de terminar as referências àquele estadista o actual presidente falou da viagem presidencial ao Brasil, em 1922. “Quando estive no Brasil por lá ecoavam ainda as palavras de António José de Almeida” – referiu Marcelo rebelo de Sousa. Tratou-se de uma “visita histórica, de um reencontro da antiga potência colonial com a pujante república brasileira”, tendo sido a primeira vez que um chefe de estado português falava em “termos fraternais”. Um acontecimento único e inesquecível.

“Não foi por acaso que António José de Almeida foi o único a terminar intacto o seu mandato”, recebendo na sequência desse seu mandato presidencial “praticamente todas as condecorações possíveis e concebíveis” nas três ordens: Cristo, Avis e Santiago de Espada. Era a “aclamação geral de António José de Almeida”. A sua vida terminou precocemente, marcada pela doença (gota) mas sempre com uma pujança assinalável.

A terminar, o Presidente da República, dirigiu algumas palavras aos penacovenses: “É bem justo que a sua terra, o seu município, e já agora a sua aldeia, lhe preste esta homenagem de forma duradoura” – disse e acrescentou - “Estão a prestar um serviço fundamental à República e à Democracia porque estão a fazer História, porque estão a recuperar memória, porque estão a contar a gerações diferentes aquilo que desconhecem e tem de conhecer.”

“Porque estão a avivar ideais pelos quais [AJA] se bateu e que são destes dias também: honestidade, verticalidade, isenção, transparência, serviço da causa pública, espírito cívico acima do egoísmo ou interesse pessoal, combate àquilo que divide e que discrimina.”

Enalteceu o projecto que está em curso no nosso concelho, considerando que “aquilo que Penacova está a fazer é dar um exemplo de luta por esses valores.” E essa luta “faz-se destas coisas pequenas” - afirmou – pois, “o abrir a Casa Museu, o contar a história de António José de Almeida, interpretar a história da primeira república” são formas de lutar pela democracia.

Disse, a terminar, o Presidente da República: “Por tudo isto estou feliz por estar aqui, hoje, a assinalar o começo do futuro. Futuro que já começou noutros domínios da vossa vida. Agora, é bom que comece também neste. E para assinalar o começo do futuro aqui está o Presidente da República. Para agradecer aos autarcas, ao professor Reis Torgal, a todos vós, este contributo para a democracia portuguesa e para Portugal, e agradecer em nome de todos os portugueses.”

DAVID GONÇALVES DE ALMEIDA



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