SOCIEDADE - PGR alerta que impacto da violência doméstica pode fazer crianças tornarem-se agressores
A procuradora-geral da República alertou hoje para o
impacto que a violência doméstica tem na vida de milhares de crianças e jovens,
podendo tornar estas vítimas em possíveis agressores pelo efeito de uma
transmissão intergeracional.
Na opinião de Lucília Gago, a violência doméstica é um
"fenómeno social grave, complexo e
altamente impactante na vida de milhares de adultos, mas também na vida futura
de milhares de crianças e jovens".
A falar na abertura da conferência internacional "Violência doméstica: o papel dos advogados",
em Lisboa, organizada pela Ordem dos Advogados, a PGR chamou a atenção para o
facto de o fenómeno poder condicionar "fortemente" a saúde física e mental de crianças e jovens
vítimas, além do seu comportamento futuro, "penalizando indelevelmente o seu processo de crescimento e de
desenvolvimento".
"O ato favorece
a propagação, por mimetismo, da violência, mormente da violência doméstica, o
que agrava o seu efeito de banalização e da sua difusão por transmissão
intergeracional com terríveis consequências no tecido social",
sublinhou, defendendo a necessidade de quebrar o círculo vicioso da
persistência do fenómeno.
Lucília Gago defendeu que é preciso "implementar melhores abordagens"
que contribuam para a inversão do fenómeno e admitiu que "são múltiplos os questionamentos e as
perplexidades provenientes do choque perante a crua luz da realidade".
Referindo-se novamente às crianças e aos jovens, a PGR
apontou que, mesmo quando não são alvos diretos, acabam sempre por ser afetados
emocionalmente "de forma muito
séria" e que o dano provocado "nem sempre é valorizado".
Referiu os projetos-piloto que o Ministério Público (MP)
está a implementar de ataque à violência doméstica, com as secções
especializadas integradas de violência doméstica (SEIVD) que começaram a ser
testadas, em janeiro, em três comarcas, e deixou a garantia de que o MP "permanece fortemente empenhado na defesa do
superior interessa da criança".
Já o presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos
Advogados, António Jaime Martins, apontou que se está "muito longe de uma solução ideal para as
vítimas" e defendeu a existência de um gabinete ministerial que
congregasse os melhores meios de apoio às vítimas.
Moderadora, a deputada socialista Elza Pais destacou que
neste ano já foram assassinadas 25 pessoas em contexto de homicídio conjugal,
apontando que se trata de um "fenómeno
de terrorismo doméstico de género, uma das maiores calamidades dos últimos dez
anos, que deixou muitas crianças órfãs, mas também assassinou cerca de 500 mulheres",
sublinhou.
"Não há maior
calamidade do que esta e, por isso, é urgente decretar-se emergência social,
política, a todos os níveis, para prevenirmos e combatermos este grande flagelo",
defendeu.
Disse também que é preciso deixar de desvalorizar este tipo
de crime e criticou que continue a existir na sociedade portuguesa um "forte sentido de impunidade",
dando como exemplo "as baixas taxas
de condenação" de agressores.
A presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de
Género (CIG), Teresa Fragoso, salientou que não há uma só solução para este
problema e que é preciso um trabalho continuado em matéria de educação.
Por outro lado, e a título estritamente pessoal, defendeu
que o ónus deveria estar no agressor e não na vítima, o que, nos casos de
agressão, obrigaria ao afastamento do agressor e não da vítima do seu local de
residência.
Referiu também que apesar de haver cada vez mais
investigações abertas por casos de violência doméstica, o número de casos que
chegam a tribunal e que depois são condenados é mínimo, questionando se a
moldura penal seria a mesma se a maioria das vítimas de violência doméstica
fosse homens.
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