ENSINO - Chumbar um aluno "não serve para nada", diz Presidente do Conselho Nacional de Educação
O
Conselho Nacional de Educação (CNE) defende que chumbar um aluno "não
serve para nada" e acredita que combater esta prática não será uma
porta ao facilitismo porque a ideia não é "passar sem saber".
Para a presidente do CNE, Maria Emília Brederode Santos,
a recente polémica em torno do programa do Governo de reduzir ao mínimo os
chumbos no ensino básico não pode ser vista como um quadro a preto e branco.
“É muito
importante que se perceba que a alternativa não é, nem pode ser, entre chumbar
ou passar sem saber”, defende em entrevista à agência Lusa, no âmbito dos
dois anos de mandato à frente do CNE.
Portugal é um dos países da OCDE com taxas de reprovação
mais elevadas. Só no ano passado, chumbaram 50 mil alunos no ensino básico. Além
disso, este é um fenómeno que atinge sobretudo alunos de meios socioeconómicos
carenciados.
A responsável entende que os alunos com dificuldades não
devem “reprovar e repetir o ano todo
outra vez” mas sim ter um apoio específico.
“É aí que nós
apostamos, para que haja outro tipo de estratégias que ajudem os miúdos a
aprender sem ser preciso recorrer à reprovação, que não serve para nada”,
defende Maria Emília Brederode Santos.
A taxa de retenções e desistências no ensino básico tem
vindo a diminuir, tendo caído de 7,9% em 2015 para 5,1% em 2018. O Governo diz
querer reduzi-lo ao mínimo.
O programa do Governo, conhecido no final de outubro,
prevê a criação de um “plano de não
retenção no ensino básico, trabalhando de forma intensiva e diferenciada com os
alunos que revelam mais dificuldades”.
À semelhança do que já defendia David Justino, seu
antecessor no cargo, também Maria Emília Brederode Santos considera que
facilitismo é a “cultura da retenção”.
“Tanto se pode
acusar de facilitismo em relação aos alunos, como se pode acusar a escola de
facilitismo", porque diz: “ai
não aprendes, ficas, repetes. Isso é que é facilitismo, acho eu”, disse a
pedagoga formada em Ciências da Educação.
Dando como exemplo o caso finlandês, onde não se chumba e
os resultados são de excelência nos testes internacionais, Maria Emília
Brederode Santos defende que a cultura de reprovação dos países do sul “tem de mudar”.
A presidente do CNE recusa a ideia de que este tipo de
abordagem possa desmotivar os melhores alunos, contrapondo
que as escolas devem reconhecer que “há muitas maneiras diferentes de aprender” e que devem “incitar os
alunos a gostarem de aprender, a saberem aprender e a poderem aprender”.
“Isto já não é
como antigamente, em que o professor vinha dar as suas aulas, os alunos ouviam
e tentavam assimilar. Alguns conseguiam, outros não. Agora a aposta é que todos
têm mesmo que aprender e que há muitas maneiras diferentes de aprender. Acho
que as escolas estão a fazer essa procura”, disse a especialista em
inovação educativa.
Entre as propostas do Governo estão projetos de “autonomia reforçada para as escolas com
piores resultados”, adequando a oferta curricular aos alunos, reforçando,
por exemplo, o ensino das línguas, das artes ou do desporto, programas de
mentoria entre alunos, para “estimular a
cooperação entre pares”, e uma aposta declarada no ensino da matemática, a disciplina
com mais insucesso.
No combate ao insucesso escolar estão ainda inseridas
medidas de reforço de ação social e de apoio a famílias vulneráveis, mas também
uma aposta na deteção precoce de dificuldades, com uma maior atenção no
pré-escolar a dificuldades de linguagem e numeracia.
Maria Emília Brederode Santos admite que possa haver
nesta fase “um certo desnorte” entre
os professores, provocado por um “excesso
de documentos orientadores” — o Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade
Obrigatória, o diploma da educação inclusiva, as regras da flexibilidade
curricular – que não lhes permite perceber o que devem seguir, mas acredita que
é “uma fase transitória” e que se a
desordem servir para estimular o debate, “não
é necessariamente negativo”.
Mais do que violência, escolas têm problema de
indisciplina crescente
Um “problema de
indisciplina crescente”, mais do que “violência
crescente”, é a leitura que a presidente do Conselho Nacional de Educação
faz das recentes notícias de agressões nas escolas, “sintoma de um certo
mal-estar”.
“Do que vi não há um problema de violência crescente,
pode haver um problema de indisciplina crescente, mas de violência, lá está, as
estatísticas dizem que não. Dá jeito saber e comparar números. Apesar de tudo
são sintoma de um certo mal-estar. São casos pontuais, mas são sintoma de um mal-estar,
que obviamente tem que se lhes dar atenção”, disse a presidente do Conselho
Nacional de Educação (CNE), Maria Emília Brederode Santos, em entrevista à
Lusa.
Nas últimas semanas foram conhecidos vários casos de
agressões, contra professores e funcionários, que levaram representantes dos
pais e diretores escolares a reagir e a garantir que as escolas
não estão transformadas em “campos de batalha”, concordando com a
posição transmitida pelo Ministério da Educação de que se tratam de “casos
pontuais”.
A indisciplina é maior, quanto mais velhos são os
professores, segundo um estudo divulgado em 2016 da autoria do projeto
aQeduto, uma parceria do CNE com a Fundação Francisco Manuel dos Santos.
O envelhecimento da classe docente é precisamente um dos
grandes problemas da Educação: Apenas 1% dos professores tem menos de 30 anos e
41% tem pelo menos 50 anos, segundo o relatório anual sobre educação da
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), Education
at a Glance, divulgado em setembro.
Maria Emília Brederode Santos não entende o
envelhecimento como um problema em si mesmo, lembrando que a idade é quase
sempre sinónimo de experiência. Para a presidente do CNE, mais preocupante pode
ser o facto de esse conhecimento acumulado não estar a ser transmitido aos mais
novos.
No entanto, reconhece que é preciso acautelar a saída dos
professores mais velhos:
“Daqui a pouco
tempo vão sair muitos para a reforma e, portanto, terá que haver uma
alternativa para os substituir”.
Neste momento uma das preocupações do CNE é o racismo que
ainda existe dentro dos muros da escola. A esse propósito, o conselho tem em
preparação uma recomendação sobre educação para a cidadania e antirracismo,
revelou a presidente.
“É bom que nos
demos conta que existe algum racismo, pode não ser tão grave como noutras
situações, mas existe e a escola, mais uma vez, é o meio para se conseguir
superar isso”, disse.
Maria Emília Brederode Santos lembrou que é preciso virar
o foco para as crianças e jovens “mais
invisíveis” ou que possam estar sujeitas a discriminação. A estas, as
escolas devem dar mais atenção.
No mesmo sentido, continuou, deve-se olhar com mais
atenção para as minorias étnicas ou para as crianças com necessidades
educativas especiais.
Já sobre o ensino superior, a pedagoga acredita que o
modelo de acesso “vai ter que ser
repensado” e terá de “ser mais
alargado” porque “em toda a parte
quase que o ensino superior está a tornar-se obrigatório”.
No anterior mandato, foi pedido ao CNE um parecer sobre a
matéria e a presidente espera que na legislatura que agora começou este seja
“um tema importante” a ser repensado.
Evitando alongar-se sobre o tema, uma vez que o CNE tem
uma recomendação em preparação, defendeu, no entanto, que para além de alargar
o acesso, o ensino superior “vai
ter que rever um pouco a sua própria pedagogia”.
“Se nos primeiros
anos, o aluno não tem determinadas competências que a instituição de ensino
superior entende que devia ter, terá que as promover e não ficar à espera que
só lhe cheguem alunos que já têm as competências que querem”, disse, a
propósito dos diferentes níveis de preparação que os alunos podem ter à entrada
consoante o regime em que concluíram o ensino secundário.
Uma das ideias em cima da mesa era alterar as condições
de acesso para os alunos provenientes das vias profissionais, eliminando a
obrigatoriedade de prestarem provas em matérias que não faziam parte do seu
currículo, mas acabou por não avançar na anterior legislatura.
Sem comentários
Leia as regras:
1 - Os comentários ofensivos não serão publicados.
2 - Os comentários apenas refletem a opinião dos seus autores.