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COVID 19 - Mais pandemias podem surgir. E parte do segredo está nas florestas


Mercados com animais vivos não são a única interface para o contágio entre animais e seres humanos. Um grupo de investigadores norte-americanos acredita que uma floresta devastada é também um cenário potencialmente perigoso

Desflorestação na Amazónia NURPHOTO/GETTY

Primeiro, é uma estrada que é rasgada na floresta. Depois outra, a seguir mais uma. Seguem-se subsequentes acordos económicos estratégicos. Aos poucos, a paisagem florestal é reduzida a parcelas cada vez pobres em diversidade, o que “tende a provocar uma sobre-exposição da fauna menor e a modificar os habitats.”

Catarina Maldonado Vasconcelos - Jornalista do Expresso

Sadie J. Ryan, professora de Geografia Médica da Universidade da Flórida, não tem dúvidas: a destruição das florestas abre caminho à transmissão de vírus que naturalmente seriam apenas encontrados em outras espécies de animais.

Um estudo da Universidade de Stanford, publicado no início de abril, relaciona a desflorestação com a passagem de vírus de espécies animais aos seres humanos, e Sadie J. Ryan explica ao Expresso como a investigação é relevante para compreender o fenómeno das pandemias. “A redução da biodiversidade, resultante de o habitat ser fragmentado e alterado pelos seres humanos, é, para mim, o maior propulsor do surgimento de novas doenças.”

O estudo da universidade californiana de Stanford baseia-se no contacto entre humanos e primatas no oeste do Uganda, onde o aumento da população significou a abertura de espaços na floresta destinados à agricultura de forma a alimentar muitas famílias. Este é, de acordo com Sadie J. Ryan, um fator crítico que potencia o contacto de seres humanos com animais selvagens, e é neste convívio que reside o perigo. “Muitas regiões do mundo em que a transmissão dos vírus para ser humanos acontece pertencem ao grupo de países em desenvolvimento, onde as pessoas se dedicam mais à agricultura, silvicultura ou pesca, e os meios de subsistência dependem do acesso à paisagem”, fundamenta a investigadora.

Quando a presença humana invade habitats virgens em que a vida selvagem abundava, tornam-se mais frequentes as interações indesejáveis entre pessoas e animais – um convite à transmissão de vírus -, e a caça e fuga de predadores são consequências expectáveis. “Quando os predadores são removidos dos ecossistemas pelo processo de mudança e fragmentação da paisagem, ou simplesmente através da caça e perseguição, a população das suas presas ou mesmo de mamíferos menores pode aumentar rapidamente, e isso potencia o contacto.”

Sady J. Ryan também lembra que “são os mamíferos menores que tendem a persistir em habitats modificados e, portanto, podem tornar-se uma ponte entre os ecossistemas e o ambiente humano das cidades”, tal como aconteceu com os pangolins, desviados de habitats tropicais para mercados-vivos da China. As doenças podem mover-se de duas formas: “por transmissão direta, como na caça ou mordeduras, ou indiretamente, por contaminação fecal, ou vetores de picadas, como mosquitos, pulgas e carrapatos”. Os principais predadores em ecossistemas intactos “mantêm o controlo populacional sobre níveis tróficos mais baixos, o que idealmente impede os níveis inferiores da cadeia alimentar de transitarem para paisagens dominadas por humanos”, assinala ainda a professora da Universidade da Flórida.

Eric Lambin, professor de Ciência do Sistema Terrestre na Universidade de Stanford e coautor do estudo focado na floresta do Uganda, sublinha, em declarações ao Expresso, a importância da biodiversidade, para que não haja uma proliferação em larga escala de pequenas espécies, “como roedores, hospedeiros agentes patogénicos ou vetores de doenças como carrapatos ou pulgas”. Estes seres vivos, geralmente mais pequenos, tendem a ser portadores sem sucumbirem aos vírus que transportam. O investigador exemplifica: “Várias doenças foram transmitidas por carrapatos, como a doença de Lyme ou a febre hemorrágica da Crimeia-Congo. O VIH e o Ébola são outros exemplos.”
Os investigadores da Universidade de Stanford foram mais longe e concluíram que, depois de 1940, metade dos vírus que saltaram de animais para humanos teve origem no contacto indevido suscitado pelo abate de floresta. A equipa de Eric Lambin também calculou que haja até 10 mil vírus de mamíferos potencialmente perigosos para os seres humanos.

“Precisamos de políticas muito mais rigorosas para controlar a desflorestação tropical, a caça ilegal de animais selvagens e o comércio de espécies ameaçadas ou produtos de origem animal que possuam propriedades supostamente medicinais. Em geral, precisamos de melhores políticas de conservação da natureza e proteção da biodiversidade.” A mensagem de Eric Lambin é reforçada por Sady J. Ryan e por um relatório das Nações Unidas sobre biodiversidade e saúde humana, redigido em 2015. A proteção de espécies animais e da floresta assume um papel central na prevenção de doenças.

Originalmente publicado no Expresso de 06.05.2020 - conteúdo exclusivo para a assinantes


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