OPINIÃO - Pensamentos
Domingo, mais uma vez saí
de casa, com o pensamento abstracto envolto, numa cor cinzenta que transparecia
e se afogava numa mais escura ainda, quase não me deixando ver o que por ali
existia. Os pensamentos saltavam de momento em momento, sobrepondo-se a tantas
outras coisas visionadas, tais como o chegar da Primavera de mansinho, como não
quer a coisa, e um sol brilhante fazendo antever um dia magnífico e um outro
ainda mais perturbante, de mais uma vez não almoçar com a mulher e com as
filhas, que tinham vindo festejar o dia do pai.
Contudo no meio deste
momento anunciado, mais uma vez o mundo estava em guerra sem que existisse
coerência na atitude. O mundo une-se em partes, conforme os interesses e
desbarata as oportunidades de ficar quieto e sereno, tentando melhorar o que já
existe de mau, como o nuclear, os problemas económicos, as convulsões da
sociedade, os problemas ambientais, o consumo ultra indesejado e desenfreado da
água que a cada dia que passa mais sinais dá de que não é inesgotável.
Mais uma vez saí de casa,
com a cabeça envolta em pensamentos, mas agora, rumo a mais um aniversário de
um grupo de pessoas que se juntam em prol da cultura, da etnografia, do
folclore e acima de tudo em prol do convívio, coisa esta que parece banal, ao
ponto de ser tratado de "jantaradas e comezainas". No almoço, lá
estavam as várias entidades convidadas, "às vezes sem saberem muito bem o
quanto custa organizar qualquer destes eventos" e um grupo enorme de
pessoas que vão tentando manter de pé, o Rancho Folclórico da Casa do Povo de
S. Pedro de Alva.
Com os pensamentos a não
deixarem de matraquear a minha cabeça, sondando e querendo perceber, não
consegui chegar ao que mais me interessava na altura descobrir. Saber, porque
correm estas e muitas outras pessoas, atrás de sonhos comuns e regionais,
defendendo a sua terra, os seus usos e costumes e tentando cada vez mais
preservá-los no tempo, para que consigam deixar testemunho às outras gerações,
que mesmo à rasca, um dia lhes poderão dar valor.
Não podia deixar de
partilhar estes momentos, estes sentimentos, porque depois do almoço, passaram
um pequeno filme, em que davam a conhecer um pouco do seu passado e até do seu
presente e por intermédio dessas fotografias que a tantos de nós, não diriam
absolutamente nada, e com as sobremesas em cima da mesa confeccionadas por eles
próprios, continuei nos meus pensamentos a tentar perceber, o porquê desta
entrega a uma causa, sem qualquer retribuição, sem ajudas, a troco de nada.
Pensei como seria bem
melhor este país, se o voluntariado feito desta forma tivesse continuado a
existir em tudo o que representa o associativismo, nas autarquias locais, nas
Juntas de Freguesia, nas mesas de voto…mas infelizmente, tudo hoje começa a ser
pago e ninguém faz nada, sem ir atrás do respectivo complemento. A carolice
está hoje em vias de extinção, mas também estão em vias de extinção, os bons
homens e mulheres que a praticavam, daí se ter juntado, a todos os outros
pensamentos com que saí de casa de manhã mais um, que ainda agora por aqui anda
a fervilhar. Espero que este e os outros ranchos de Penacova, saibam cativar
mais jovens, saibam procurar e estimar mais pessoas como o Sr. Amável de Chelo,
saibam promover as suas terras, as suas gentes, os seus cantares e tradições e
saibam fazer reviver e descobrir tudo o que a esta terra diz respeito, de
uma forma abnegada e firme, mas de forma voluntária como até aqui.
A seguir ao almoço do
rancho, fui para casa e continuei a pensar em tudo o que está mudar a mundo, o
que está a mudar as pessoas, o que nos está a transformar em pobres de
espírito, e acima de tudo, no que nos está a transformar numa imensidão de
cobardes, que viram a cara à luta, que aceitam tudo o que lhes é imposto, que
aos supostos grandes acenam sempre com a cabeça em sinal afirmativo, ou
simplesmente fazendo muito pior, calando-se e consentindo pelo silêncio, tudo o
que se lhes possa fazer.
Acordei a pensar e
deitei-me a pensar e sonhei de noite com as histórias de guerra, com os
feridos, com os mortos, com os gritos em nome de um Deus religioso pelo qual se
mata, e por um outro Deus que comanda o mundo e provoca as guerras que se
chama "petróleo". Mesmo aí, apesar de alguns darem o corpo de forma
mercenária, outros também lá andam, por amor às causas, só que estas são
outras, bem mais complicadas. Parece que não tem a ver, mas foram os meus
pensamentos de um domingo tranquilo e lindo da chegada da primavera, que se
misturaram neste temor que também sinto, de, nem ao menos poder falar… Amanhã
um novo dia virá e os pensamentos por muitas voltas que o mundo dê, não hão-se
ser muito diferentes!
António
Catela