Os subsidiodependentes *
Ora, este discurso tem dois problemas. O primeiro é a sua escolha política de um Estado que passa ao lado da garantia de direitos essenciais, desde a dignidade básica de quem está desempregado ou vive abaixo do limiar da pobreza até à efetiva liberdade de fruição da diversidade da criação cultural. O segundo problema é a sua seleção de alvos: os pobres e desempregados são subsidiodependentes, os grupos económicos são "compensados".
O folhetim das rendas pagas pelo Estado às produtoras de energia elétrica é, a este respeito, muito revelador. As "compensações" pagas pelos contribuintes portugueses à EDP, seja no âmbito dos chamados custos para a manutenção do equilíbrio contratual seja como apoio à produção de energias renováveis e à cogeração, orçam este ano 1700 milhões de euros, ou seja, perto de 50 euros pagos para cada família. Por entender que esta renda é exagerada e aventar a possibilidade de a corrigir através de uma sobretaxa à produção elétrica, o secretário de Estado da Energia foi afastado. Pensou demais e a destempo. Primeiro era preciso não afugentar os compradores da privatização, depois era imperioso não os irritar. Para o Governo, o negócio da China teve prevalência sobre o interesse público. E quem se mete com o negócio da China leva, está visto. Mas, chinesices à parte, as elétricas arrogam-se o direito de falar grosso ao Governo porque se sabem a prestar um serviço que é público. Pouco lhes importa se é também um negócio privado. Mais até: é melhor para elas que não se fale disso. Porque falar-se ainda poderia levar as pessoas a pensar que, como numa retrosaria ou num restaurante, os negócios privados são por conta e risco de quem os leva a cabo. Não, para a chefia da EDP há negócios privados - o seu, claro - que devem ser alimentados pelo Estado, através de rendas. Ou seja, através do rendimento garantido por subsídios contra todos os riscos. O empreendedorismo fica para os outros.
O rentismo é de há muito o modo de ser da nossa elite económica e empresarial. Essa alergia da aristocracia empresarial portuguesa ao risco e o seu apetite por regimes de favor tem-se traduzido ora na exploração de monopólios naturais ora na garantia de rendas chorudas e imunes à normal oscilação dos negócios. E este modo de operar evidencia uma permanência histórica notável que vai desde a concessão do monopólio dos tabacos no século XIX até às parcerias público-privado nos nossos dias.
Na rede de estradas, na rede hospitalar e em diversos outros domínios, o Estado, impedido pelo garrote do Pacto de Estabilidade e Crescimento de contrair crédito para investir, transfere essa responsabilidade para privados. Em bom rigor, porém, a responsabilidade revela-se um favor porque, além de lhes pagar uma renda mais do que generosa, o Estado assume todos os riscos de construção, de procura, de estrutura e de negócio que, pela sua natureza, deveriam ser imputados à entidade privada. A consequência é conhecida: o negócio das derrapagens orçamentais tornou-se a fonte inesgotável da subsidiodependência dos "empreendedores".
I
Por José Manuel Pureza
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