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ENTREVISTA - Comandante António Simões fala com o jornalista Álvaro Coimbra

O entrevistado de hoje (dia 18 de junho), no Portugal em Direto, é António Simões, Presidente da Federação de Bombeiros de Coimbra. Tomou posse no início deste ano para o triénio, portanto até 2014


Álvaro Coimbra: Meio ano depois da tomada de posse, que balanço é que faz destes primeiros meses de trabalho?

António Simões: O balanço é francamente positivo! Apesar de estarmos a viver um período conturbado na vida nacional e nos bombeiros em particular, há aqui algumas questões que se prendem com a atividade e a sustentabilidade das associações de bombeiros que se reflete depois na actividade operacional. Mas apesar de tudo, no distrito de Coimbra as coisas estão bem relativamente, se calhar, à generalidade do país e podemos dizer que foram seis meses de alguma calma e descontração, sendo certo que há sempre muitas dificuldades e muitas questões a gerir no seio de instituições tão importantes e tão envolvidas na sociedade civil, como são as associações e os corpos de bombeiros do distrito.

AC: Sucedeu a Jaime Soares que ocupava o cargo, julgo, desde 1981. Pretende dar continuidade ao trabalho desenvolvido pelo seu antecessor ou quer dar uma nova orientação à Federação de Bombeiros?

AS: Suceder a um homem com o carisma, a personalidade e sobretudo a experiência do Comandante Jaime Soares, é sempre um desafio aliciante, isto é, qualquer que seja a tomada de posição que tenhamos, ela está sempre subjacente aos olhos do cidadão em geral e dos bombeiros em particular, há sempre algum termo de comparação com a pessoa que esteve 30 anos à frente da Federação dos Bombeiros do Distrito de Coimbra e que hoje é o Presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses. No entanto, cada um de nós tem a sua própria orientação, a sua própria filosofia de vida, de gestão, de trabalho e é com esta filosofia de vida que pretendemos orientar a Federação de Bombeiros do distrito de Coimbra. A Federação de Bombeiros é uma, digamos, instituição da sociedade civil que congrega todas as 24 associações e corpos de bombeiros do distrito de Coimbra, 21 associações de bombeiros associativos, portanto, bombeiros voluntários que teme o seu sustentáculo no associativismo e depois 3 corpos de bombeiros municipais, dois deles exclusivamente profissionais como é o caso da Companhia dos Bombeiros Sapadores de Coimbra e dos Bombeiros Municipais da Figueira da Foz. E portanto, aquilo que a Federação faz, tenta fazer, procura fazer no seu dia-a-dia é, de alguma forma, representar estas instituições e trabalhar para salvaguardar aquilo que são os direitos das associações e, no fim de contas que é o nosso primeiro objetivo, lutar pela segurança dos cidadãos, em particular pelos cidadãos do distrito de Coimbra.

AC: Afirmou na sua tomada de posse que «quer transformar os corpos de bombeiros, em parceiros ativos de empresas, da população e dos municípios». Como é que isto se traduz na prática?

AS: As associações e os corpos de bombeiros do distrito e do país em geral, são responsáveis por mais de 90% de todas as situações de emergência, quer de emergência em proteção civil, propriamente dita, quer no âmbito do pré-hospitalar, quer mesmo do transporte de doentes não urgentes. Portanto, instituições que teme à sua responsabilidade, que no dia-a-dia são responsáveis por mais de 90% destas atividades, que mexem significativamente com a vida de cada um de nós, não poderão, naturalmente, deixar de ser parceiros ativos de todas as outras instituições com responsabilidades no âmbito social. Desde logo as autarquias como quem os bombeiros estão sempre em permanente contato, em permanente interação e partilha de atividades, mas também com outras instituições, quer civis, quer institucionais do poder local, regional e central. Portanto, nós vamos mantendo contatos, parcerias…

AC: Quer aprofundar esse contato, esse diálogo?

AS: O nosso objetivo é esse! Cada vez mais envolver todas as instituições da sociedade, como seja a CCDRC, como sejam empresas privadas. Enfim, o nosso objetivo é ter cada vez mais parceiros ativos no sentido de, não apenas de divulgar aquilo que é aquilo que é a atividade dos corpos de bombeiros, mas sobretudo também de colher os seus apoios, para atividades tão importantes como são estas da proteção civil e do apoio e do socorro aos cidadãos.

AC: Julgo que no país existem pouco mais de quatro centenas e meia de corpos de bombeiros e a esmagadora maioria são bombeiros voluntários e muitos estão, aparentemente, em situação financeira difícil. No distrito de Coimbra qual é a situação? Sabemos que, por exemplo, os Bombeiros Voluntários de Montemor-o-Velho atravessam uma fase difícil. Há mais corporações com problemas financeiros no distrito?

AS: Nós hoje atravessamos um momento de dificuldades, sobretudo pela diminuição de uma atividade que é feita ainda pelas associações e pelos corpos de bombeiros e que se reduziu substancialmente. Ao longo dos anos, as associações de bombeiros foram chamadas para transportar doentes não urgentes para as mais diversas especialidades das consultas dos hospitais e das clínicas, etc. Os bombeiros nunca pediram para o fazer. Isso foi-lhes solicitado ao longo dos tempos. E os bombeiros foram, na sua grande maioria, sobretudo nos concelhos do interior, e por não haver outra instituição que o fizesse, os únicos que efetivamente garantiam esse transporte. E ao longo dos últimos diria, dez, quinze anos, os bombeiros foram sempre solicitados mais e mais nesta matéria e as associações, muitas delas com sacrifícios, foram até avalizadas pelos próprios dirigentes, fazendo empréstimos para se apetrecharem com meios humanos e materiais, comprando ambulâncias e veículos de transporte de doentes, para fazerem um transporte de qualidade. A maior parte das associações de bombeiros, fazem transportes de qualidade, com veículos de qualidade. De repente, os bombeiros vêem-se confrontados com uma diminuição significativa do número de doentes transportados.

AC: E que tem a ver com esta alteração da legislação.

AS: Exatamente! Ora tendo menos doentes para transportar, as receitas são também menores e os equipamentos e recursos, continuam a ser os mesmos. Ora, neste sentido, as associações têm que se reorganizar para fazerem face às suas despesas. É bom lembrar que os bombeiros nunca pediram este tipo de serviço e que o mesmo foi-se valorizando e também complementando as operações de socorro. Isto é, ele próprio financiava as associações de bombeiros também para a prestação do socorro, mesmo até em termos humanos. Se a grande maioria dos bombeiros são voluntários, durante o dia há sempre alguma reserva no seu recrutamento, porque as pessoas trabalham, têm a sua própria profissão, o seu sustento, e os recursos humanos, que estão afetos na grande maioria das associações, ao transporte de doentes, no momento em que não os transportavam, sobretudo na parte da tarde, uma vez que a grande maioria dos doentes eram transportados de manhã, faziam outro tipo de atividade na prestação de socorro urgente, e esta diminuição de receitas de uma forma abrupta, está a colocar em causa, mesmo a própria prestação de socorro. Para além disso, e esse é o nosso maior problema, é que muitos desses doentes, que eram transportados pelos bombeiros, hoje ficam em casa, não sendo raro verificar-se doentes que não completam o seu tratamento. Doentes que vão aos centro de saúde onde não lhes é passada credencial e que depois vão aos bombeiros pedir para os transportarem, às vezes até de uma forma completamente gratuita, e a conclusão a que chegamos é a que depois os bombeiros também não têm a possibilidade de prestarem o socorro. Mesmo transformando-se às vezes numa causa social, acabam por não ter essa possibilidade porque os combustíveis aumentaram significativamente, as exigências, mesmo dos próprios bombeiros voluntários, muitos deles com emprego fixos que podiam às vezes ser dispensados para prestarem algum socorro voluntário, hoje também, a precariedade do trabalho e a exigência da própria vida pessoal de cada um, que os obriga muitas vezes a angariarem um segundo e um terceiro emprego para terem mais possibilidades de financiamento da sua própria família, leva a que tenhamos sempre maiores dificuldades.

AC: Volto à pergunta inicial. Para além da corporação de Montemor-o-Velho, existem outras corporações no distrito de Coimbra com problemas financeiros, que possam colocar em risco o socorro como disse há pouco?

AS: No distrito de Coimbra, a grande maioria das associações de bombeiros voluntários, têm a sua situação controlada e estabilizada. Não temos conhecimento que hajam situações de risco iminente, mas a fazer-se esta caminhada, se não houver uma inversão de procedimentos, sobretudo do Ministério da Saúde ou de financiamento das associações de bombeiros, naquilo que diz respeito ao socorro, então, a curto médio prazo, teremos problemas graves na prestação de socorro. O que nós, Liga dos Bombeiros Portugueses, e todos os bombeiros através das suas federações, temos que lutar, é por um financiamento adequado daquilo que é a prestação do socorro. Hoje o volume de serviço é tão grande que já não se compadece apenas com o contributo dos sócios das associações, com alguns peditórios que ainda se vão fazendo e com algumas atividades que todas as associações fazem no sentido de adquirirem algum financiamento. O Estado e as autarquias têm que definir as suas prioridades, no sentido de que a população de cada um dos nossos municípios tenha um socorro cada vez mais eficaz e que não se perca sobretudo, a desmotivação daquilo que é um dos valores mais altos da sociedade portuguesa, que é o voluntariado no socorro. Eu acho que isto é importantíssimo e que os nossos governantes, os nossos autarcas, têm que pensar e refetir sobretudo nisto: É que não está em causa apenas o profissionalismo dos corpos de bombeiros, mas também toda a envolvência social do carisma do voluntariado, que é inigualável em qualquer parte do mundo e que nós não podemos de forma alguma deixar perder, sob pena de no futuro prestarmos concerteza um serviço pior e bem mais caro do que aquele que é prestado atualmente.

AC: Uma última questão. Enquanto Presidente da Federação de Bombeiros de Coimbra, partilha da opinião dos seus colegas da Federação de Setúbal que querem um congresso extraordinário da Liga, para debater esta insuficiência de meios financeiros?

AS: Existem de facto situações muito preocupantes nalgumas associações de bombeiros do país, por aquilo que conhecemos. Portanto, certamente essas situações graves e preocupantes, levam a que as pessoas possam exigir esse tipo de reunião magna das associações e corpos de bombeiros do país. Tenho muitas dúvidas que, nesta altura, esse congresso seja eficaz, ou que daí possam sair soluções concretas e resultados credíveis, que possam de alguma forma alavancar a estrutura financeira das associações de bombeiros. Em pleno verão, nunca é um bom momento para tomar decisões nesta matéria. Agora, como disse há pouco, tenho a certeza que alguma coisa tem que ser feita no sentido de garantir a sustentabilidade destas associações, sob pena de serem as populações e sobretudo, repito, as populações de meios rurais, a sentirem esses efeitos. Nas cidades, muito do socorro, no âmbito do pré-hospitalar, apesar de manifestamente insuficiente nas nossas grandes cidades, é feito sobretudo através do INEM. Mas tudo o resto é feito através das associações de bombeiros, com protocolos com o INEM e com outras entidades. Há também uma pequena franja da Cruz Vermelha, mas 90% é feito pelas associações de bombeiros, cujos dirigentes são voluntários, de uma forma solidária e associativa que nós não podemos perder.
Se não tivermos cuidado a arranjar uma forma de financiamento quer sustente as despesas inerentes a esta prestação de socorro, ao pagamento do gasóleo, dos consumíveis, à aquisição de veículos, muitos deles dados por mecenas e empresas que ajudam as suas associações, tantos e tão bons exemplos que temos no pais e no distrito, e que o digam os municípios que têm corpos de bombeiros exclusivamente municipais a quem nada lhes é dado, perde-se muita dessa solidariedade mas sobretudo perde-se uma grande capacidade de resposta ao nível da prestação de socorro que os bombeiros em Portugal têm dado.

Transcrição de PENACOVA ATUAL do programa “PORTUGAL EM DIRETO” da ANTENA e cujo áudio pode ouvir AQUI