ENTREVISTA - Hélder Trindade, presidente do Instituto Português do Sangue e Transplantação sobre a campanha "Obrigada por salvar a minha vida"
A nova campanha para cativar dadores é muito sensível, tem rosto e uma
história verdadeira. Porquê?
Sem dúvida que assim é, mas
mantendo o anonimato, pois ninguém sabe quem foi o dador que salvou a vida à
doente que dá o rosto à campanha. E conseguimos estabelecer o grande duelo em
que a pessoa que dá anonimamente, vê o resultado da sua dádiva nas vidas de uma
mãe e de uma filha que foram salvas por 27 pessoas. É um mote diferente e penso
que é algo que temos que continuar a explorar porque as pessoas que dão sangue
precisam também de objetivar e perceber como é que foi concretizado o seu gesto
de generosidade. Esta é uma campanha preparada para cativar mais pessoas no
verão, mas queremos que ela tenha alguma sustentabilidade, pois penso que tem
força suficiente para se manter ao longo do tempo.
É fundamental o dador sentiu que valeu a pena?
Exatamente. E por isso também
esta campanha tão é real e mostra como se salvam vidas com um gesto tão
simples. Penso que foi algo que neste Dia Mundial do Dador, assinalado na
Figueira da Foz, tentámos mudar, inovando. Espero que resulte. Por que o
preocupa os meses de verão? O que muda? Mudam essencialmente os dadores. Estes
vão de férias, as empresas têm menos pessoas e, obviamente, optam por colaborar
noutras condições. E não se pode esquecer que nos meses de verão nós
continuamos a consumir. Não é apenas por que haja mais ou menos acidentes. É,
seguramente, porque os doentes não vão de férias e continuam a ter necessidade
desse suporte. Por isso olhamos o verão sempre com maior preocupação porque
temos mais dificuldades em colher e as necessidades de sangue mantêm-se.
Sublinhou que, de certa forma, o consumo diminuiu. Ao reconhecer-se
essa realidade não se tornam os dadores um pouco menos preocupados?
Essa é uma pergunta extremamente
importante pois, aparentemente, isso pode acontecer. Mas, por outro lado,
também referi que a dádiva tem estado a diminuir. No ano passado teve já uma
diminuição significativa. Este ano continua a registar-se uma quebra de dois
por cento que, não sendo muito significativa, é real. Sabemos também que cada
vez nos está a ser mais difícil recrutar dadores. O nosso call center é um dos
indicadores pois mostra que as pessoas não estão disponíveis. E uma das causas
apontadas é a emigração. Se a isto juntarmos os problemas demográficos com que
o país se debate, os problemas de ordem social, ou algumas dificuldades
nalgumas empresas, então teremos mesmo que nos preocupar e durante todo o ano.
Portanto, quando digo que estamos a transfundir menos, a mensagem é que não
estaremos tão atrapalhados por que também recolhemos menos. Mas gostaríamos de
gerir essa diferença e não propriamente ela acontecer pelos motivos que referi.
Falou na questão do plasma que tem levantado problemas e que não será
facilmente compreendida. Porquê a polémica?
Em primeiro lugar estas questões já vieram ao
de cimo há bastante tempo, desde que herdámos o IPS e o transformámos em IPST.
É uma situação latente. Em Portugal, primeiro por causa da doença das vacas
loucas não se aproveitava o plasma, depois começámos a congelá-lo, sem o
podermos utilizar.
O que é o plasma?
O plasma é o líquido que sustenta
as células do sangue. Posso dar a seguinte imagem para se perceber melhor:
quando se tira um saco de sangue, este é gordinho e bem cheio. Depois é
centrifugado, separando-se as células, que ficam em baixo, e um líquido em cima
que é o plasma que vai para outro saco e é congelado. Esse plasma é importante
e deve ser aproveitado para tratar doentes de várias formas.
E nós não o aproveitávamos?
Não. Mas quando iniciámos a
direção da nova estrutura, começámos a desenvolver todo um conjunto de
processos para o poder aproveitar. Não se pode pensar que o plasma é
simplesmente um líquido que se retira e se congela. É muito mais do que isso. E
acontece que as arcas têm que estar devidamente validadas, e temos que saber
que elas estão a menos 30 graus ou 40 graus; temos que ter máquinas próprias
para o congelar rapidamente; temos que ter capacidade para mudar o plasma de
Coimbra para Lisboa, ou do Porto para Coimbra, por exemplo. Tenho que ter,
portanto, arcas intermédias no Porto e Coimbra validadas para congelar esse
plasma. Neste momento, temos tudo cheio.
Porque leva tanto tempo uma decisão quando é a vida humana a estar em
causa?
Estas alterações não podem ser
feitas de um dia para o outro. São processos morosos que exigem concursos
públicos. Mas para eu hoje estar a dizer que temos mais de 130 mil unidades
congeladas em Lisboa numa arca onde anda uma carrinha que vai tirando e pondo
paletes de plasma e que para transfundir tenho plasma inativado pela primeira
vez em Portugal desde o ano passado, posso concluir que esses problemas estão
todos resolvidos ou em vias de o ser.
E o que falta, então, para que possa começar a ser utilizado?
Um concurso público, pois
queremos fazer tudo de acordo com a lei. Um concurso que também já está a ser
preparado. E acredito que se tudo correr como prevemos para o próximo ano este
plasma vai começar a ser processado.
E enquanto isso não acontece, nós estamos a importá-lo?
Exatamente. O plasma para
transfusão já não é preciso importá-lo pois quem precisar pode pedi-lo ao
instituto. Mas os produtos derivados do plasma, ou seja, do seu fracionamento,
estão a ser também importados. Não quer dizer que o nosso plasma chegue para
tudo, mas já vai, de certeza, poupar muito dinheiro. Já houve tentativas que
falharam, mas nós estamos a tentar um método diferente, aprendendo com o
passado e a ver se chegamos a bom porto e duma vez por todas acabar com a
polémica. O que me admira é que num momento em que concluímos este trabalho,
num momento em que finalizamos um processo que nos demorou três anos a preparar
e que já está no terreno, ou seja, o plasma inativado existe, cria-se uma
enorme polémica. Isto para quem tem trabalhado e tem investido neste processo
acaba por ser um pouco frustrante, mas não iremos perder a coragem e iremos até
ao fim.
Em Portugal as doações são gratuitas ou há situações em que podem ser
pagas?
Em Portugal, o sangue é benévolo.
Daí o valor do nosso plasma, também, porque há países onde ele é pago.
Mas tem-se batido pelas questões das taxas bonificadas. Nos centros de
saúde isso já acontece. Nos hospitais, não.
O facto de um dador aceder a um
centro de saúde e não pagar taxa moderadora é importante. Nós precisamos de
dadores saudáveis e que sejam seguidos pelo seu médico de família. O hospital
representa, habitualmente, a doença. Se o dador for enviado pelo centro de
saúde por que teve um acidente de percurso continua a estar isento. Agora, o
dador que recorre ao hospital por qualquer outro motivo, não está isento.
O instituto tem centros regionais em Coimbra, Porto e Lisboa.
A responsabilidade está
centralizada na sede do IPST? Certo. O instituto tem os serviços centrais, onde
está a estrutura administrativa e três outros serviços deslocados que é onde
está a parte operacional. São as estruturas que estão no terreno, que se
articulam com as associações de dadores ou com as empresas.
Entrevista de Eduarda Macário do jornal Diário As Beiras