MÚSICA: OCC e Vasco Martins em projeto de valorização da Morna para Património da Humanidade
A
Orquestra Clássica do Centro (OCC) e o compositor Vasco Martins vão gravar um
CD com composições inéditas de Morna, explorando semelhanças com o Fado, numa
altura em que a canção nacional cabo-verdiana prepara a candidatura à
classificação como Património da Humanidade, pela UNESCO.
O registo
discográfico reunirá composições da autoria de Vasco Martins, à exceção de um
tema que orquestrará a partir da gravação feita em 1979 do assobiado de uma
morna antiga pelo escritor António Aurélio Gonçalves.
Vasco
Martins, luso-caboverdiano, mas radicado em Cabo Verde, é escritor, musicólogo,
músico, compositor de música tradicional, erudita e eletrónica, e também
coordenador do Centro de Estudos da Morna, organismo que desenvolve os
trabalhos que sustentarão a candidatura a apresentar à UNESCO.
O projeto
de gravação do CD é financiado pela Direção Geral das Artes de Portugal. Deverá
concretizar-se até maio do corrente ano, e que terá apresentações em Portugal e
Cabo Verde, quando se evocar o segundo aniversário da orquestra nacional do
país, de que a OCC é membro fundador.
“A
gravação de um CD pela Orquestra Clássica do Centro com obras minhas inspiradas
na Morna poderá ter uma tripla importância: a morna como fundação centrifuga e
na complementação artística do dossier ‘Morna, património cultural imaterial da
humanidade-UNESCO’; o desenvolvimento da sinergia entre dois países através da
Música pelas afinidades históricas e culturais; e a divulgação pública de obras
‘guardadas na Gaveta´”, afirma Vasco Martins.
Realça
ainda que nos requisitos da candidatura da Morna à Unesco é valorizado o
fomento do diálogo musical e a diversidade cultural, que estão presentes neste
projeto.
“É uma
‘viagem’ no universo da Morna”, afirma Vasco Martins, revelando que em princípio
serão gravadas 8 obras para diversas formações e instrumentos solistas:
orquestra clássica, clarinete e orquestra clássica, oboé e orquestra de cordas,
violão e orquestra de cordas, guitarra portuguesa e orquestra de cordas,
violino e orquestra clássica, voz soprano e orquestra clássica, e o movimento
nº3 da sua sinfonia nº1 para orquestra de cordas.
Vasco
Martins, nas suas composições para orquestra, piano ou guitarra clássica – três
vertentes que se destacam na sua obra - parte das raízes musicais do seu país
para as cruzar com a música erudita de tradição europeia e oriental.
Vieira
Nery, musicólogo português, considera que "todas as influências africanas
da música portuguesa passam por Cabo Verde, pois não havia barco que ali não
passasse. Cabo Verde é o centro triangular musical da Europa, África, Brasil”.
Num
estudo que desenvolveu sobre a Morna, e que publicou em livro em 1989, Vasco
Martins avança a possibilidade de, na fase primordial, ter recebido influências
da modinha brasileira, muito divulgada a partir do século XVII em Portugal,
porque o Fado português também nascia nessa altura.
Defende
que a sua analogia com o Fado é bastante consequente, nomeadamente nos aspetos
técnico-musicais, pela melancolia constante formulada pela tonalidade menor.
Sendo a
Morna um género musical erudito, com uma estrutura, um esqueleto baseado na
música ocidental europeia, tinha de ser composta com instrumentos polifónicos,
o violão ou guitarra portuguesa.
Eugénio
Tavares (1887-1930), considerado o maior poeta caboverdiano, e um dos mais
antigos e talentosos compositores, compunha as suas mornas na guitarra
portuguesa, e na sua ilha, a Brava, nos princípios do século XX, cantava-se
Fado nas noites de serenata.
“Este
trabalho é a concretização de um sonho antigo. E um momento em que se faz
História na Música e nas relações culturais entre povos e seus sentires. Falo
não só da nossa associação, mas também da nossa região e, atrever-me-ia a
dizer, dos países”, afirma Emília Cabral Martins, presidente do Associação da
Orquestra Clássica do Centro.
Na sua
perspetiva, é um trabalho que resulta da inspiração em temas populares ou
tradicionais, como a Morna ou o Fado, numa abordagem feita através do que se
designa por música erudita, por um compositor de referência internacional como
é Vasco Martins.
“Com a
sua concretização ficará enriquecido o património bibliográfico musical.
Qualquer orquestra por esse mundo fora poderá interpretar estas obras. É um
contributo para o enriquecimento do Património Cultural, estou certa”, conclui
Emília Cabral Martins.
Há uma
década que a Orquestra Clássica do Centro (OCC) tem no seu reportório sinfonias
de Vasco Martins. Em maio do ano passado estreou na cidade do Mindelo uma obra
sua para piano improvisado e orquestra de cordas, “Momento Presente”. Em julho,
em Coimbra realizou um concerto estreando várias sinfonias inéditas de Vasco
Martins, onde participou como cantor o atual ministro cabo-verdiano da Cultura,
Mário Lúcio Sousa.
Em maio
de 2014 a OCC participou no concerto de estreia da Orquestra Nacional de Cabo
Verde, enquanto membro fundadora, a convite do Ministro da Cultura. Em maio de
2015 realizou uma digressão a Cabo Verde para participar na evocação do
primeiro aniversário da orquestra nacional.
Desde
junho de 2014 está sediado em Coimbra, na OCC, o Centro de Transcrição Musical
de Cabo Verde, em resultado de um repto de Mário Lúcio de Sousa. Desde julho de
2015 está em vigor um protocolo de colaboração entre o Centro de Estudos da
Morna e a OCC.
Pela Orquestra Clássica do Centro