PATRIMÓNIO(S) - Terras Galaicas e Terra Galega
Vem este escrito a propósito do
texto que João Pinho publicou há dias no Penacova Actual. Historiador nosso
conhecido através de uma das muitas monografias por si publicadas: Botão.
Mil anos de história(s). Livro que consultámos ao preparar Patrimónios
de Penacova, atendendo às estreitas ligações históricas entre Botão e o
Mosteiro de Lorvão. Curiosamente, também nesta publicação de J. Leitão Couto e
David Almeida, prefaciada por Nelson Correia Borges, ficou registada a
pertinência de uma parceria cultural entre algumas freguesias dos concelhos de
Coimbra e Penacova. Propõe agora, e muito oportunamente, João Pinho, que esse
intercâmbio se concretize tendo como elemento
congregador o Foral concedido às “Terras Galegas” por D. Manuel I, em 1520.
A monografia sobre Penacova que
estamos a preparar já inclui a referência às Terras Galegas, a par de outros
apontamentos sobre as Terras da Irmânia e as Terras da Casconha. Sobre
esta questão das terras galegas podemos ler uma crónica do Notícias de Penacova, que
apesar de assinada por “Carochinha” sabemos tratar-se de José Albino Ferreira,
formado em Teologia e em
Direito. Além de sacerdote e notário, foi Presidente da
Câmara de Penacova. Personalidade penacovense dotada de uma vasta cultura que
nos permite considerar como credíveis as considerações que fez
nesse artigo publicado em 1940 e que reproduzimos de seguida:
“À SOMBRA AMENA DA
PÉRGOLA...CONTOS DA CAROCHINHA : TERRAS GALAICAS E TERRA GALEGA”
“A Carochinha já contou
como ao norte de Portugal se apagou o nome de terra galaica; porque os seus
habitantes queriam antes denominar-se portucalenses.
Do Douro ao Mondego não
chegou a firmar-se a denominação de terras galaicas senão na região montanhosa
que se estende das planuras da Bairrada até ao rio Mondego, porque os seus
habitantes, cristãos, haviam sacudido o domínio dos mouros, muito antes do
Conde D. Henrique estabelecer definitivamente o seu Condado ao norte do
Mondego, firmando-se em Coimbra e Montemor-o-Velho.
Eram portanto galaicos
ou galegos só os cristãos montanheses da região penacovense. Com o andar dos
tempos a denominação de terras galaicas fez evolução para terra galega e ficou
a aplicar-se no uso corrente da linguagem regional, apenas a uma parte que
agora os povos vizinhos, ainda chamam terra galega.
A Carochinha vai fazer
uma revelação que julga necessária. Uma das suas nobilíssimas costelas vem-lhe
muito legitimamente da terra galega por sua avó materna que era natural do
lugar de Telhado e pertencente a famílias indígenas dali, pelo que são seus
parentes, a maior parte dos moradores actuais de Telhado, que é bem o coração
da Terra Galega...
De há muitos anos vêm da
Galiza muitos rapazes procurar trabalho em Lisboa sujeitando-se a trabalhos
muito pesados como o de descarregadores. Em razão de virem da Galiza eram
comummente chamados galegos...
Esta denominação passou
a dar-se a todos os indivíduos, de condição humilde, que se sujeitavam aos
trabalhos mais servis, tendo assim significação deprimente.
Com esta significação
passou a palavra o Atlântico pois os nativistas brasileiros procuram deprimir
os emigrantes de Portugal alcunhando-os de galegos.
A verdade é que, o
termo, em boa linguagem, não tem significado deprimente, pois galaicos foram os
primeiros cristãos que em Portugal se libertaram do domínio mouro e neste caso
estão os antigos montanheses de quem descendem os penacovenses, habitem ou não
a região que agora se chama terra galega.
Em documentos oficiais
não se emprega hoje a denominação de terra galega, talvez por delicadeza, para
não melindrar os habitantes dela, que injustificadamente se envergonham desta
denominação por ignorarem o seu real significado.
Mas outrora não era
assim. A Carochinha teve em suas mãos, há umas dezenas de anos, a certidão
autêntica de teor da Carta Régia que criou o Couto de Monte Redondo. Era ela
escrita e assinada com belíssima caligrafia pelo notável cronista e poeta
Garcia de Resende. Neste documento, que a Carochinha julga não estar perdido,
se lê em boa letra “Couto de Monte Redondo, na Terra Galega”.
Porque se reduziu a área
da terra galega? É pelo seu comércio que as terras distantes se relacionam e
tornam conhecidas. Muita gente desconheceria a Índia se não fosse o chá. Muito
inglês sabe que há uma cidade portuguesa com o nome de Porto, pelo fino vinho
do Douro, que dali se exporta.
A Terra Galega não perde
o nome porque os seus habitantes se dedicam especialmente à criação de
gado bovino. Os criadores vão comprar os novilhos em Trás-os-Montes;
emparelham-nos e começam a ensiná-los a puxar o carro. Aprendem desde crianças
a distinguir as boas castas. Quando na Bairrada ou na Região Poiarense algum
lavrador pretende adquirir uma junta de bezerros de certa marca e boa casta,
toma a sua aguilhada e diz à família que vai ver se a encontra pela terra
galega e lá corre, de lugar em lugar, a freguesia de Figueira, indo até à
Aveleira e ao Roxo, voltando em regra satisfeito com o resultado. Assim explica
a Carochinha o motivo porque a denominação de terra galega teimosamente se
mantém.
Não tenham os moradores
dela, desgosto por isso. Se alguém, desdenhosamente chamar da terra galega a
algum morador dela, ele com a aguilhada da praxe chama-lhe mourisco.”
David Almeida