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CIÊNCIA VIVA - Bactérias são mais precisas que relógios


Se já sabemos o que nos faz ter neurónios, glóbulos brancos ou epiderme, apesar de todas essas células terem exactamente os mesmos genes, em bactérias esses mecanismos são ainda pouco conhecidos. Perceber como funciona a formação de esporos bacterianos é essencial para saber como podem depois voltar à forma activa e desencadearem infecções. Investigadores do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier, ITQB NOVA, publicaram na prestigiada revista científica PLOS Genetics o intrincado mecanismo responsável pela forma final de esporos na bactéria patogénica Clostridium difficile.

O Clostridium difficile (ou C. difficile) é uma bactéria que persiste em infecções hospitalares. Provoca um síndrome intestinal, cujos sintomas podem ir de diarreia simples a complicações potencialmente mortais. Eles têm a capacidade de disseminar e persistir em ambiente hospitalar graças à sua capacidade para formar esporos que resistem ao ar e também aos desinfectantes. Como não respondem à maioria dos antibióticos disponíveis, é urgente encontrar-se formas de conter a propagação dos esporos e desenvolver novas terapias.

A esporulação passa pela formação de um pré-esporo dentro de uma célula-mãe; o pré-esporo será um “condensado” de bacteria, com os elementos essenciais para o seu crescimento quando encontrar condições favoráveis. Contém o genoma e algumas proteínas essenciais. A célula-mãe que o contém tem o mesmo genoma e todo o conteúdo normal de uma célula bacteriana.

Durante o processo de formação de esporos, são precisos centenas de genes para que tudo decorra com o rigor e precisão necessários para garantir a sobrevivência do esporo. Nada é deixado ao acaso, e o modo como cada gene é posto a trabalhar em cada altura é fundamental.

Sabia-se que uma proteína, chamada sigmaK, é responsável pela formação da camada exterior do esporo, sendo a superfície do esporo importante para a infecção. O que os investigadores do grupo do investigador Adriano Henriques agora perceberam é que o mecanismo que controla sigmaK é muito mais complicado do que se pensava.

A investigadora Mónica Serrano dedicou os últimos meses a tentar responder à questão quais as proteínas que regulam os genes, de que forma e em que altura. Os resultados agora publicados na PLOS Genetics dão-nos a descobrir um intrincado mecanismo de relojoeiro, controlado de forma muito precisa. A activação de sigmaK requer a excisão de uma sequência que interrompe o gene, pela acção de uma proteína do tipo recombinase. A actividade da recombinase é controlada por uma outra proteína adicional, e juntas, determinam o tempo exacto de activação do sigmaK. A alteração deste controlo temporal resulta em defeitos drásticos na estrutura da superfície do esporo. Com o desvendar do mecanismo molecular, perceberam ainda que a recombinase tem a capacidade de tirar, inserir e inverter genes bacterianos, o que abre novas possibilidades de engenharia genética in vivo e in vitro.

“Um dos aspectos mais excitantes do trabalho é que enquanto que o controlo da excisão da sequência que interrompe o gene sigmaK é essencial para a formação correcta da superfície do esporo, por sua vez importante para a interação do esporo com as células do hospedeiro durante a infecção, sabemos agora que nalgumas estirpes epidémicas o gene sigmaK não está interrompido. A previsão é de que estas estirpes tenham descoberto um modo, manipulando o tempo de activação da proteína SigmaK, de gerar um esporo com uma superfície alterada, que em certas circunstâncias pode representar um modo de “esconder” aquilo que seria um esporo normal do hospedeiro, facilitando assim a infecção”, segundo Adriano Henriques.

Referência do artigo:
http://journals.plos.org/plosgenetics/article?id=10.1371/journal.pgen.1006312
PLoS Genet 12(9): e1006312. doi:10.1371/journal.pgen.1006312
A Recombination Directionality Factor Controls the Cell Type-Specific Activation of σK and the Fidelity of Spore Development in Clostridium difficile
Mónica Serrano, Nicolas Kint, Fátima C. Pereira, Laure Saujet, Pierre Boudry,
Bruno Dupuy, Adriano O. Henriques, Isabelle Martin-Verstraete

Sobre o laboratório e os investigadores
Adriano Henriques é coordenador do Laboratório de Desenvolvimento Microbiano do ITQB NOVA. Este laboratório tem estudado os mecanismos da formação de esporos bacterianos, que têm um papel fundamental na persistência de bactérias no ambiente e na recorrencia e transmissão de doenças, incluindo a bactéria patogénica C. difficile. O grupo tem-se focado na montagem das superficies de esporos.
Mónica Serrano é Investigadora FCT desde 2014, e tem desenvolvido o seu trabalho no Laboratório de Desenvolvimento Microbiano. É co-coordenadora do projecto ONEIDA, para prevenção e controlo de infecções bacterianas em hospitais portugueses, que acaba de ser aprovado com financiamento de 2,5 milhões de euros para os próximos 3 anos.

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