NOTAS DE VIAGEM A PENSAR EM PENACOVA - A oficina do ferrador e o monumento à aviação militar
O que tem a ver uma oficina do ferrador com um
monumento à Aviação Militar? E vem a seguir outra pergunta óbvia, com
exclamação: ambas dizem respeito a Penacova e ao seu concelho?!
Viajo em Portugal (como pelo Estrangeiro) e gosto de
tirar as minhas notas, com fotografias da minha Mulher, que tem um jeito
especial para o fazer. Sobretudo gostamos de procurar e de admirar o património
que se encontra por este país. Muitos o têm feito em livros que ficaram na história
da literatura. Eu sou apenas um simples historiador, mas (talvez por isso)
interessado no que há de importante por aí com vida ou que merecia ter vida.
Como pensava Marc Bloch, o historiador não é um “antiquário”: ele ama a vida e
por isso a devolve ao passado, que se poderia pensar, erradamente, que já está
morto.
Pois bem, em direcção ao Seixal, onde fui, há algumas
meses, ao encontro dos ex-militares com quem estive na Guiné em 1968 e 1969,
comecei por ir a Azinhaga, antes de estacionar brevemente em Santarém para
espreitar o Tejo da casa que foi de Passos Manuel e onde dormiu Garrett, que aí
se inspirou para escrever as Viagens na
minha Terra (quem se esquece alguma vez, depois de ler o livro, dos olhos
verdes da Joaninha do Vale de Santarém?). Azinhaga é precisamente a terra-natal
de José Saramago que, entre outras obras, escreveu o livro, que teve várias
edições, Viagens a Portugal. Fomos à
casa-memorial de Saramago, a funcionar numa antiga escola da aldeia, simples
mas com muito significado, onde, ao lado de uma sala em que se encontram
expostos os seus livros, em edições especiais, se reproduziu o quarto humilde
dos seus avós. Claro que me lembrei então do que poderia ser para Penacova a
casa de António José de Almeida, que já tem telhado novo (não sei se bem
feito), ao menos a salvá-la da destruição, mas que tarda em tornar-se
casa-museu, o que deveria ter acontecido em 2016, ano em que se completaram 150
anos do seu nascimento. Em Azinhaga encontrámos ainda — como tínhamos deparado
no concelho de Pampilhosa da Serra — um monumento ao ferrador.
Quem pode esquecer, ou lembrar-se hoje, da
importância que o ferrador tinha em tempos que já lá vão, quando não
circulávamos por estradas e auto-estradas de automóvel ou de autocarro ou mesmo
de bicicleta e de motociclo? Ele era essencial para “calçar” os bois, tão
importantes nos trabalhos agrícolas, mas também os cavalos, as mulas e os
burros, para moleiros, almocreves e simples viajantes. O ferrador era ainda,
nas aldeias, devido à falta de assistência pública aos animais (que agora
parece terem conquistado direitos), uma espécie de veterinário. Aqui vai um
fotografia do modesto monumento ao ferrador de Azinhaga, a terra de Saramago
(foto 1). E aqui vai o recado, acompanhado de mais duas fotos: existe em Figueira
de Lorvão (fotos 2 e 3), numa bela e simples casa de pedra pertencente à
família Barbosa (família de ferradores e de muita outra gente boa), uma oficina
completa desse ofício — o que é raro no país (onde só existe um Museu do
Ferrador, em Elvas) — que deveria ser transformada num pequeno e simbólico
museu. Falo disso há muito, a última vez em 2016, num brevíssimo minuto,
incapaz de convencer alguém, numa votação para o Orçamento Participativo, que,
tal como está organizado, considero (perdoem a franqueza, sobretudo porque sei
que nele há boas intenções e porque o conheci numa das suas origens, em Porto
Alegre, no Brasil) uma iniciativa um pouco populista, o que condiz com o tempo
em que vivemos.
2. Figueira de Lorvão, vista geral da casa |
3. Figueira de Lorvão. Vista de conjunto |
No dia seguinte estive em Vila Nova da Rainha,
próximo de Vila Franca de Xira, onde funcionou a primeira base-escola de
aviação militar. António José de Almeida foi quem primeiro apresentou a
proposta da Aeronáutica Militar numa sessão da Assembleia de Deputados, em 24
de Junho de 1912, mas que veio só a ser oficialmente fundada a 14 de Maio de 1914.
O primeiro voo militar realizou-se ali, em Vila Nova da Rainha, e o seu piloto
foi um conterrâneo nosso, de Telhado, o então tenente José Alípio Barbosa
Santos Leite. A lápide existente na pérgola, aos “Mortos da Grande Guerra”, tem
ainda uma homenagem ao homem que veio a morrer, já como major, num voo, no ano
de 1928, em Alverca (onde hoje existe o Museu do Ar, que não esqueceu Santos
Leite), depois de ter estado em França no meio dessa que foi a primeira guerra
mais sangrenta do nosso século XX. Mas, no nosso concelho, nem uma rua tem o
seu nome ou uma lápide a assinalar o lugar do seu nascimento. Os CTT, porém,
não o esqueceram no centenário da aviação militar, com uma série filatélica
comemorativa.
Aqui vai outra fotografia, agora do monumento
inaugurado em 17 de Julho de 2016, onde esteve o nosso Presidente da República,
e também a foto de uma lápide evocativa do primeiro voo militar (fotos 4 e 5) e
mais duas (fotos 6 e 7), agora tiradas no Museu da Marinha, que dedicou uma
pequena exposição à participação da aviação na Primeira Grande Guerra. O voo
realizou-se a 17 de Julho de 1916, era então António José de Almeida presidente
do ministério — o conhecido ministério da “União Sagrada”, do tempo da guerra
—, e nesse dia fazia 50 anos a nossa “glória concelhia e nacional” (como se diz
na base do seu busto, agora erigido em frente à Câmara). Teria sido uma simples
coincidência? Provavelmente não.
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4. Vila Nova da Rainha-homenagem à criação da aviação militar |
5. Vila Nova da Rainha-homenagem à criação da aviação militar |
6. M. Marinha. José Santos Leite |
7. M. Marinha.Texto sobre a criação da AM, AJA |
A “jóia da coroa” do município de Penacova é — todos
o sabemos — o mosteiro de Lorvão e também os seus magníficos códices, com
iluminuras de que a Vista Alegre e a Torre do Tombo, o nosso primeiro arquivo
nacional, fez umas belas peças comemorativas. Mas há mais “jóias”, além deste
monumento que tem sido um centro de cultura, graças ao Município (que teve a
sua melhor obra de cultura com a Escola de Artes), à Junta de Freguesia e à
Paróquia de Lorvão. Aproveitemos, pois, o boom
de turismo — eu que não me considero um turista, mas um viajante — que passa
agora por Portugal e que todos esperamos que seja duradoiro! Pelo menos, já
salvou algumas casas da destruição e tem gerado um movimento hoteleiro (e
“hosteleiro”) digno de nota, a par — também é certo — de um abandono forçado de
bairros pelos seus mais antigos habitantes. Talvez agora Penacova comece a
pensar seriamente na falta que faz aquele hotel situado no antigo Preventório,
de localização única, e faça por que seja melhorada (sem
destruir o edifício, como se fez com a Pensão Vizeu, substituída por um
“mamarracho” inqualificável), a antiga e bela Pensão Avenida.
O nosso património local e regional é uma das nossas
riquezas que importa salvar, passado que foi o período de austeridade e de
pessimismo, em que nos vimos mergulhados e que parece poder regressar a cada
momento, e a prática de destruição sistemática que nos deixou muito mais
pobres. As festas que por aí abundam nestes meses de Verão (a cortar a tristeza
que nos acompanha, devido aos incêndios e às suas vítimas, apesar dos esforços
heróicos dos nossos bombeiros) serão importantes, sem dúvida, sobretudo porque
supõem o convívio das populações e sua criatividade (embora nem sempre
positiva). Mas são despesistas, quando não são organizadas e pagas
espontaneamente pelas populações. E são efémeras,
ou seja, interpretando o termo à letra, na sua origem grega, duram apenas “um
dia” ou… pouco mais.
Luís Reis Torgal - Historiador
"Por mais que queira “desistir de Penacova”, ou seja, do que
considero os seus verdadeiros interesses, acabo sempre por pensar nela. Talvez
por que a escolhi (em Figueira de Lorvão) para viver grande parte do ano e era
a terra do meu bisavô materno (mesmo a vila), por parte da minha avó, e o
concelho da minha primeira Mulher e ainda (descoberta recente!) da minha bisavó
e da minha trisavó materna, por parte do meu avô. Já agora, o aviador Tenente
José Santos Leite (que refiro no artigo) era primo direito do meu avô materno.
É afinal o chamamento da terra…"