PENACOVA - Entrega de casas novas atenuam dor que nunca se esquece
O caminho é feito entre o negro das árvores e o cinzento do
alcatrão. As casas, novas, reconstruídas depois dos incêndios de outubro de
2017, são de uma alvura irrepreensível e aguardam a chegada da comitiva da
Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC). Dia após
dia, aos poucos, as habitações têm sido devolvidas aos proprietários. Ontem
foram entregues quatro em Penacova e duas em Tábua. Ficam a faltar 30 nos dois
concelhos.
A escritora inglesa Janet Olearski, de 66 anos, tinha-se
fixado em Portugal há poucos meses quando viu o fogo levar-lhe parte da casa.
Vive sozinha, com inúmeros animais que nunca quis deixar. Nos últimos meses,
andou de divisão em divisão para que as obras se fizessem. “Sou muito sortuda, fizeram um bom trabalho.
Valeu a pena esperar”, disse ontem na entrega formal da habitação
localizada em Lagares, Travanca do Mondego.
A escritora já tem o rascunho do próximo livro. Chama-se
“Depois do fogo”.
“Senhor José Maria,
tem aqui outra chave. Vamos assinar os papéis e a casa já é sua outra vez”.
A conversa é tida à mesa da cozinha de uma casa reconstruída no lugar de
Ribeira (Penacova). José Maria Martins, de 78 anos, e o filho, Artur, de 45,
resistiram até ao último segundo no dia do grande incêndio.
“Está muito bonita,
andaram aqui a caiar, puseram uma tampa de esgotos”, descreve o homem, com
o conhecimento que adquiriu durante os meses em que acompanhou a obra. “Foi um autêntico fiscal”, afiança Ana
Abrunhosa.
Em Paradela da Cortiça, no concelho de Penacova, há um
sinal de STOP no qual foi colado um autocolante a dizer “Eucalyptus. Já chega! 15.10.2017”. Mesmo em frente está a casa de
Luís Soares e de Ana Maria, acabada de reconstruir.
“Vamos começar hoje
[ontem] a dormir cá”, diz a dona da casa, de 55 anos.
Emociona-se ao
lembrar o dia em que teve de deixar tudo. “Vai
esquecendo agora, pouco a pouco”, diz Ana Abrunhosa que tenta confortar o
casal. “Nunca se esquece... aguentamos o
barco. A casa está melhor agora. Gosto mais, mas...” As reticências são o
sinal de que há uma dor que por mais que se acalme nunca passa. “Vim a casa mudar de roupa e essa roupa foi
a única coisa com que fiquei”, recorda Luís Martins, que está desempregado.
60%
das casas entregues
Ana Abrunhosa pede desculpas pelos atrasos, visita casos
urgentes que não estavam na agenda do dia, ouve reclamações, estabelece
prioridades com papéis na mão. Ali mesmo, num caminho de terra batida, rodeada
por técnicos, fiscais, autarcas. “Há
aqui dois sentimentos. O de alegria e de dever cumprido mas também a noção de que
ainda temos muito trabalho para fazer”, diz a responsável. O processo de
reconstrução está cumprido em 60%, com 475 habitações (das 800 aprovadas)
entregues às famílias. “Temos ainda em
obra 325 casas em diferentes fases de reconstrução”, disse, prevendo
entregar todas até junho.
A responsável considerou o trabalho da Câmara de Penacova
“exemplar, perfeito e de um rigor imenso”. Também o vice-presidente da
autarquia, João Azadinho, que acompanhou as entregas, elogiou a parceria com a
CCDRC e o “trabalho do engenheiro
Albertino Santos, destacado pelo município para fazer o acompanhamento das
obras”, considerandoo um motor de todo o processo.
Cátia Vicente – Diário As Beiras
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