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OPINIÃO - Paradigmas de construção comunitária



O rigor linguístico não é absoluto, mas buscando a raiz etimológica do verbo educar, teremos de nos deparar com noções como fazer crescer, trazer à luz, nutrir, ajudar a passar da potência ao ato, da virtualidade à realidade, guiando e apontando caminhos, sem nunca substituir o caminhante. Significa isto contribuir para a humanização de cada pessoa, que há-se ser autónoma e relacional em simultâneo, respeitada na sua individualidade, mas observando uma ética mínima, um núcleo de paradigmas consensualizados, que garantam a vida em comum. Esta será tanto mais consistente e alicerçada, quanto capacitados forem todos os indivíduos que a protagonizam, num cimento de igualdade essencial, apenas diferenciada pela função que cada um desempenha na concertação do todo. Trata-se, pois, de desenhar um modelo social que capacite pessoas. Seguramente teremos de gerar e distribuir riqueza, com justiça, que tem de significar, em paralelo, equidade e desproporcionalidade positiva e justificada. Certamente que teremos de erguer estruturas necessárias e desenhar os regulamentos consequentes. Mas, finalmente, tornar as pessoas efetivamente pessoas terá de ser o propósito.

A capacitação das pessoas reveste-se de, pelo menos, duas consequências que os poderes instituídos como profissão e não como serviço não costumam apreciar. Por um lado, cresce a capacidade crítica dos indivíduos e enfraquece a possibilidade de operacionalizar duas técnicas comuns da pastorícia, o arrebanhamento e a transumância. Os poderes mencionados t[r]emem. Por outro, os resultados de tamanho exercício de capacitação comunitária não são simples de mensurar quantificadamente, nem se revestem, por isso, do proporcional retorno de popularidade e reconhecimento. Os poderes desagradam-se, desagregam-se, despoderam-se.

No lugar de educar, poderemos contentar-nos com ‘informar’. De forma breve, porque o povo não lê. Pouco aprofundadamente, porque interpretar é coisa ao alcance apenas de alguns. Como é habitual, para que ninguém estranhe e os avessos à novidade não desertem, nem os críticos das coisas feitas critiquem. De modo fácil, para não dar muito trabalho, quer a produzir, quer a mastigar. Com pouco amplo contraditório e insuficiente argumentação, para que a concordância seja mais espontânea e a adesão consequente. Podemos, deseducadamente.

Em vez de educar, poderemos optar por ‘formar’, com o sentido de ‘pôr na forma’, erguendo uma ortodoxia que origina, em regra, um policiamento da sociedade que a distingue entre ‘nós e eles’, colocando apressada e absolutamente o rótulo de certo de um lado e o de errado no outro, tornando cerradas as fronteiras e caras as taxas alfandegárias. Podemos, desumanizadamente.

Num tempo, eventualmente não num espaço, marcado pela desinformação propositada, talvez educar seja ‘des-informar’, com o sentido de ‘tirar da forma’, arriscando que o bolo não esteja totalmente cozido, deixando arrefecer o que não se pode saborear [a] quente, sujeitando a nossa receita e confeção ao escrutínio e à degustação alheia, dando espaço para que alguém decore o nosso doce ou lhe acrescente os acompanhamentos e contextos que o vão tornar melhor ainda.

Ser [da] província não equivale a mergulhar num provincianismo menorizante, nem à absolutização de uma urbanidade teórica, que desejamos obsessivamente importar, transforando-nos num híbrido sem identidade, igual a outro lugar qualquer. Talvez tenhamos que pensar a nossa ruralidade, para a tornar contemporânea, aproveitando as modernidades comunicativas virtuais e reais, para as tornar canais regulares de cultura, que nos estruture a todos como indivíduos e nos converta em artesãos comprometidas com novos paradigmas de construção comunitária.

Luís Francisco Cordeiro



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