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SOCIEDADE - Infiltração do "Chega" nas polícias deixa autoridades em alerta


O símbolo “zero” feito com os dedos e usado pelos polícias pode confundir-se com o do “OK” ou com um outro mais subversivo, usurpado recentemente pela extrema-direita, que representa as iniciais de “white power” (poder branco). A manifestação desta quinta-feira, que juntou 13 mil pessoas em frente ao Parlamento, foi convocada pelos sindicatos mas dominada pelo Movimento Zero

Foto Tiago Miranda
A mensagem do Chega! está a ser “muito bem recebida” nas esquadras da PSP e nos postos da GNR, revela um dirigente sindical da polícia que pediu o anonimato. “Interessa-nos menos a ideologia e mais as propostas do Chega! para resolver os nossos problemas do dia a dia”, resume. O sentimento é repetido por outros elementos das forças de segurança que estiveram na manifestação de quinta-feira em frente ao Parlamento e integram o Movimento Zero (M0).
A proximidade entre este movimento sem rosto — nascido há seis meses no Facebook após a condenação de oito agentes da PSP por agressões a jovens da Cova da Moura — e o Chega! ficou visível nos aplausos dirigidos a André Ventura durante o minicomício que este fez perante a plateia de 13 mil polícias. O discurso incomodou alguns dirigentes sindicais que organizaram o protesto, como César Nogueira, da APG/GNR: “Utilizou uma manifestação apartidária. Foi um erro.”
O Expresso sabe que a relação entre o M0 e o Chega! é tida pelas forças de segurança como “muito próxima”. Alguns dos líderes informais do M0 estão ligados ao partido de André Ventura — pelo menos um deles fez parte das listas do Chega! nas últimas legislativas — ou são membros da chamada direita nacionalista, que não chegou ao Parlamento nas últimas eleições. Mas há também polícias moderados, insatisfeitos com o trabalho dos muitos sindicatos do sector.
As autoridades, que conhecem já a identidade dos principais mentores do M0, veem as ligações mais radicais com “preocupação”, porque temem que o discurso extremista seja assimilado pela generalidade dos polícias. Durante a manifestação, milhares de agentes e militares levantaram o braço no ar, fazendo com os dedos o símbolo “zero” , que se pode confundir com o do “OK” ou com um outro mais subversivo, usurpado recentemente pela extrema-direita, que representa as iniciais de “white power” (poder branco) — os três dedos esticados fazem a letra “W” de white (branco) enquanto o indicador e o polegar formam o “P” de power (poder).
Durante os protestos chegou a haver mal-estar entre elementos do M0 e os sindicatos. Os primeiros alegaram que, como tinham mais representatividade, deveriam colocar as tarjas maiores na linha da frente ao Parlamento, o que causou “desconforto” entre dirigentes sindicais.
Ao Expresso, António Nunes, presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), alerta que o Governo “não deve desvalorizar” o M0, já que, devido às suas “características inorgânicas” (não tem líder formal, corpos sociais ou estatutos), se torna mais permeável à manipulação de elementos radicais. “Os serviços e forças de segurança podem levar algum tempo a mapear toda esta teia. Nos últimos anos houve uma grande aposta a combater o perigo jiadista, o que é normal, e só agora se investe mais na investigação a grupos criados nas redes sociais.”
O M0 recusa as suspeitas. E garante ao Expresso, através do Facebook, que os seus elementos não são “bandidos ou arruaceiros” nem estão “ligados a extremismos”. E afirmam: “Queremos manter a nossa luta por tempo indeterminado.”
Questionado pelo Expresso sobre as ligações do M0 ao Chega!, André Ventura diz que “não tenho qualquer conhecimento de quem são os líderes” do novo movimento, a que se juntou “desde o primeiro momento pelas causas e pelas reivindicações”. Na quinta-feira, quando a manifestação já decorria no exterior da Assembleia da República, Ventura ia mais longe e declarava mesmo a morte dos sindicatos tradicionais: “Chegou o tempo da espontaneidade.”
Terá então sido espontânea a sua presença no protesto, envergando uma t-shirt do Movimento Zero? “Não houve nenhum aproveitamento político, houve uma presença espontânea numa manifestação justíssima e à qual não podíamos falhar. Quando já lá estava, ao contrário do que sucedeu com os outros grupos parlamentares, pediram-me insistentemente para falar”, justifica-se o deputado, que diz estar-se “nas tintas para os protocolos” e não ter “arrependimentos” face ao facto de ter discursado entre os protestantes e de ter sido acusado de aproveitamento político. “Continuarei a fazê-lo sempre que me pedirem e entender que são reivindicações justas”, remata.
José Sena Goulão - Lusa
MANIF ORDEIRA SOB O SIGNO DO M0
Em frente ao Parlamento, os 13 mil manifestantes, mais do que zangados, pareciam desiludidos. “Nunca antes tinha participado numa manifestação, mas este é o limite. Não temos mesmo condições”, contou uma mulher de cabelo curto que exibia a t-shirt branca do M0.
As t-shirts brancas e negras do M0 dominavam a indumentária dos manifestantes. Em quase todos os pulsos via-se uma fita estreita ao jeito de pulseira de festival de verão onde se lia “Movimento Zero”. O protesto foi barulhento. Gritou-se muito, assobiou-se ainda mais. Mas os dois quilómetros entre o Marquês de Pombal e a escadaria da Assembleia da República fizeram-se sem tensão e com organização.
O ambiente pacífico foi salientado pelo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, que falou em “sindicalismo responsável”, prometendo continuar o “diálogo social” com as associações que representam a PSP e a GNR. Mas os organizadores já prometeram um novo protesto para 21 de janeiro.


TEXTO HUGO FRANCO E MARIANA LIMA CUNHA 
FOTOS NUNO BOTELHO E TIAGO MIRANDA
COM MARTA GONÇALVES E RUI GUSTAVO


 Originalmente publicado na edição 2456 do Jornal Expresso

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