REFLEXÕES - Pensar com liberdade adulta
Também, e talvez sobretudo, faz
sentido nestes tempos grávidos de metódicas perguntas e parcos em repostas. Tornar adulta, em abril, a
liberdade de expressão parece ser um propósito saudável, até porque é uma inocência
perigosa dar essa conquista simplesmente por adquirida ou assumir a
impossibilidade social de se retroceder nesta matéria no nosso país. É simples, quando
permitimos que outros tenham espaço para dizer o que nós queremos ouvir. É
doloroso, mas responsável e alavancador de real crescimento, quando conseguimos conviver
saudavelmente, não
apenas com as diferenças, mas, fundamentalmente, com os
diferentes concretos e com rosto.
Deixo quatro notas, entre muitas
outras possíveis. Um modo de ver a crítica alheia, sobretudo do lado dos poderes, com ‘tintas de sabor
a outros tempos’: “Então eu tenho a opinião mais genial e correta de todas e não
concordam comigo! Como é possível?” Um modo infantil de ter e exprimir opinião: “O
que é que pensam os meus adversários? Então eu discordo e penso exatamente o
contrário!” Um modo de manipulação das liberdades e consciências alheias:
pulverizar cátedras de
comentadores, que vendem opiniões como se fossem verdades
dogmáticas de catecismo, partindo do pressuposto que o importante é
doutrinar a massa inculta e acrítica. Um modo irresponsável de pensar, sobretudo do lado
do ‘povo anónimo’: “São todos iguais, uns vigaristas, eles é que o ganham e eu
não quero saber ‘disso’ [leia-se ‘coisa pública’] para nada!” A poesia é sempre guia
de incomensurável mestria. E é sempre proveitoso regressar a Sofia de Mello
Breyner: “Vemos, ouvimos
e lemos/não podemos ignorar.” Permitir [e estimular
concretamente] que se veja, ouça e leia, para que se forme pensamento cuja raiz não haja
machado capaz de cortar! Educar o ver, o ouvir e o ler, com capacidade crítica e
livre, capaz de redundar numa prática consequente é um imperativo democrático.
Também isto pode ser parte de um
pacote de respostas em tempo de pandemia. Não daquelas [necessárias] avulsas, pragmáticas e
casuístas, mas de outras, que estruturam as personalidades e configuram os
povos, ainda que os resultados não se vejam nem tenham retorno no curto espaço
de uma legislatura. Sem pensar este horizonte, navegaremos sempre à vista, centrados
unicamente no
escapismo imediato das tempestades que sobre nós se abatem. Existem claras exceções e
certamente outros critérios de ‘nomeação’ para determinados ‘cargos’, mas pessoalmente sinto algum cansaço
intelectual das opiniões, entre outras, de ‘bastonários’ que não dedicam
grande tempo a ver pessoas
com doenças ou ao seu cuidado terapêutico. Sou dos que
pensam que há coisas que são do domínio da missão e não são profissão. Assim, uma boa
escola para ser dirigente sindical era trabalhar na respetiva área
corporativa, para ser bispo era ser pároco, para ser político era ter uma profissão… Reitero que
existem exceções e outros critérios, mas repito silenciosamente a frase
anterior, reticências incluídas.
No nosso Concelho de Penacova,
considero que falta espaço, proposta e oportunidade para o pensamento livre e adulto. Talvez alguns
poderes se indignem do alto da sua genialidade e certeza e considerem
incompreensível a crítica… Eventualmente alguns outros poderes manifestem apenas
disponibilidade para pensar o contrário dos primeiros, ‘porque sim’ e porque querem
simplesmente a mesma cátedra. Ou, por um acaso, o ‘povo amplo’ abuse das
generalizações negativas e não entenda que ‘ficar de fora’ não é ‘não decidir’, mas sim
optar por ignorar, que é o equivalente a não fazer nada, com manifestos prejuízos para
todos. Talvez outras razões ou nenhuma destas e tal opinião não passe de um
devaneio pessoal, ainda que assumido.
Mesmo nos períodos de tréguas
aparentes e de bajulações recíprocas sobre as virtudes das nossas respostas, talvez fosse bom, ainda
assim, não deixar de fazer perguntas, ainda que sem ser exaustivo. As nossas respostas
sociais, que pese as melhorias das instalações, têm dezenas de anos no mesmo
registo estão pensadas para este tempo e para o futuro? Permito-me sublinhar um
aspeto muito concreto: o que distingue uma ‘entrega social de refeições’ de um
serviço de ‘take away’, além do preço, quando, por exemplo, se identifica a solidão como um
claro risco social? Pessoalmente sinto que Penacova é muito mais longe,
nomeadamente, de Coimbra que aquilo que efetivamente é. A lonjura de algures não é
apenas, nem sobretudo [hoje], medida metricamente no mapa. Somos seguramente todos
capazes de mais. Ainda assim, por vezes bastaria o que se poderia
convencionar chamar a ‘tática do Robin dos Bosques’. A saber, estudar como fazem ‘os ricos’ e
importar, com
criatividade adaptativa, sem ‘pagar direitos autorais’, para
que os ‘pobres’ fiquem menos pobres.
Neste tempo de estranheza
entranhada, creio que as respostas se estão a centrar no binómio ‘prevenção-relançamento’. Gostaria de
contribuir para a discussão com um terceiro momento possível e com uma precisão
semântica relativamente ao último. Não sendo especialista de todo, creio que nenhum
caçador caça apenas com espingarda. Carece de cães para que ‘levantem lebres’.
Considero que, a par da prevenção, faz falta este instrumento. O risco de muitas
lebres ficarem silenciadas, no desconforto da sua moiteira, existe, e é real e concreto.
Morrer sozinho e ‘esperar’
para ser encontrado é uma indignidade insultuosa na
atualidade. Relativamente à precisão semântica do termo relançamento, penso que importa
sublinhar que este não é sinónimo de retorno. Logo, o desafio que se nos depara não
é somente regressar à ‘vida anterior’, mas fundamentalmente relançar a vida
comunitária para um tempo novo. E novo não é requentado.
Luís Francisco Cordeiro
Marques
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