COVID 19 - Músicos que animam bailes de verão já pensam em mudar de profissão
Teclistas, tocadores de concertina e bandas que animam os
bailes de verão viram o seu principal rendimento desaparecer. Sem perspetivas
de rendimento, há quem já pense em mudar de profissão.
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Pedro Viseu - Foto |
Não são os grandes nomes que normalmente compõem os cartazes
das grandes festas, mas são parte fundamental de uma máquina que ajuda a dar
forma aos bailes e romarias que se realizam um pouco por todo o país durante o
verão.
Para todos os artistas contactados pela agência Lusa, o
verão é a altura do ano de maior faturação, sendo que a perspetiva agora é de
rendimento quase zero até ao final do ano.
Ruizinho de Penacova, que conta já com 20 anos de carreira,
deixou o emprego de carteiro para se dedicar por inteiro à música a partir de
2006.
“No verão, é tocar, trabalhar e dormir. São quase 90 dias a
esgalhar, sem parar”, explicou
Desde 6 de março que não tem qualquer concerto.
“Eu vou comendo e bebendo do que está dentro da panelinha,
mas não dura para sempre. O que é que eu tenho que fazer? Tenho que arregaçar
as mangas e trabalhar noutro ramo. Tenho que descer as escadas do estrelato e
arranjar outra coisa, nem que seja a roçar silvas”, disse à Lusa o músico.
“Eu trabalho todo o ano, mas no inverno é só para manter e
aparecer”, explicou à agência Lusa Graciano Ricardo, músico de 44 anos de
Pombal, que há dez vive exclusivamente da música e que normalmente dá cerca de
80 concertos na zona Centro entre maio e setembro.
O último concerto que Graciano deu foi em Paris, em 14 de
março, sendo que o segundo que ia dar na capital francesa, no dia seguinte, já
não se realizou devido à pandemia da covid-19.
Mesmo a receber o apoio da Segurança Social para recibos
verdes, Graciano Ricardo já começa a pensar em procurar trabalho noutra área.
“A partir de junho, tenho que pensar em trabalhar numa outra
área, como a pintura na construção civil, onde cheguei a trabalhar quando era
mais novo. É incomportável ficar em casa à espera que isto passe”, vincou.
Marco Gomes, jovem acordeonista do Algarve, que vive
exclusivamente da música há cerca de quatro anos, diz que desde meados de março
que só recebe chamadas para cancelar presenças em bailes de verão.
“Eu meti na minha cabeça que vou esperar mais um mês ou
dois. Se continuar assim, atiro-me para outro trabalho para aguentar isto,
porque estar parado não dá com nada”, salientou Marco Gomes.
Já o veterano Leonel Nunes, músico da Guarda com mais de 40
anos de carreira, diz que ainda tem meia dúzia de concertos que não foram
cancelados, apesar de saber que não se vão realizar.
“Graças a Deus, tinha um verão preenchido”, comentou. “Agora,
tem que se apertar mais o cinto e esperar que para o ano esteja melhor”, disse
Leonel Nunes, esperando que, a partir do final de setembro, já possa fazer
alguns concertos.
Para Tiago Silva, tocador de concertina da Pampilhosa da
Serra, o rombo não foi tão grande, porque tem um ‘part-time’ na Associação de
Paralisia Cerebral de Coimbra (APCC), onde dá aulas de música.
“Com o ‘part-time’, consigo olhar com um pouco mais de
tranquilidade para o futuro. Quando isto passar, espero retomar as festas com o
dobro da força para trabalhar naquilo que me dá alento e muito gosto”, afirmou
Tiago Silva, que tem aproveitado estes dias também para compor e preparar um
novo disco.
Também Álvaro Lopes, líder do grupo Oásis Trio, de Castelo
Branco, não vive exclusivamente dos concertos. Porém, o resto do trabalho que
tem é ligado à música e, com o setor quase todo parado, a faturação que regista
não chega.
“Quando me deito só penso numa alternativa à música, em
arranjar um negócio ou trabalho noutra área que não seja esta”, admitiu o único
músico do grupo que vivia da música.
Se a maioria dos profissionais a trabalhar nas feiras e
bailes têm empresas unipessoais, há também casos de empresas com alguma dimensão
que trabalham não apenas a vertente do espetáculo, como toda a área de produção
e montagem de palcos associada às romarias.
Em Vila Verde da Raia, Chaves, a Trazmúsica emprega 54
funcionários, entre músicos de quatro bandas, técnicos, pessoal de montagem de
palcos e a linha de produção de camiões-palco.
Hoje, os trabalhadores estão em ‘lay-off’ e quase todos
aqueles que eram recibos verdes deixaram de receber em abril, contou à agência
Lusa o responsável da Trazmúsica, Mário Nuno Teixeira.
“Temos que fazer um plano financeiro muito rigoroso porque
serão pelo menos seis meses sem faturação. Custa-me imenso não poder pagar aos
colaboradores a recibo verde, mas não há empresa que aguente isto”, justificou.
Graciano Ricardo não tem ilusões em relação ao futuro e acha
que mesmo retornando os concertos em outubro ou novembro, serão noutras
condições e com ‘cachets’ mais baixos.
Para além disso, há também a discussão sobre o que é cultura
e que cultura deve ou não ser apoiada.
“As pessoas esquecem-se que nós também somos cultura. O povo
mais velho vai às nossas festas. Deviam ir às aldeias e ver como tiramos os
idosos de 80 anos de casa e os pomos a dançar”, realçou.
Apesar da esperança que no verão de 2021 já tudo esteja
relativamente normalizado, Graciano Ricardo tem dificuldade em olhar para o
futuro.
Só na semana passada, dois meses após o último concerto que
deu, é que teve coragem de tirar os teclados da caixa e ensaiar.
“As pessoas conheciam a minha alegria no palco e querem
diretos, mas não tenho sentido motivação para isso. A frustração é tão grande
para quem gosta disto, para quem deixa a pele no palco”, afirmou Graciano
Ricardo.
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