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INCÊNDIOS - Observatório critica falta de plano de ação para fogos



Observatório Técnico Independente entregou no Parlamento relatório que aponta falhas à Agência para a Gestão dos Incêndios Florestais.

Carla Tomás - Jornal Expresso
Três anos após o “sobressalto cívico sem antecedentes” — como são descritos os incêndios de junho e outubro de 2017 pelo Observatório Técnico Independente (OTI) —, “muito está ainda por fazer”. Num relatório entregue esta semana no Parlamento, o OTI, que sucedeu à Comissão Técnica Independente que analisou as falhas estruturais e operacionais daqueles incêndios, critica agora o atraso na aprovação do Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (PNGIFR) e aponta o dedo à Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF).

O que foi aprovado no Conselho de Ministros de 21 de maio último apenas integra a estratégia e a cadeia de valor, mas não um programa de ação. Falta definir, discutir e aprovar as restantes peças essenciais para a operacionalização de um programa de ação, que a AGIF já devia ter apresentado em 2018”, resume o presidente do Observatório, Francisco Castro Rego, em declarações ao Expresso. Segundo o especialista, “a inexistência de um plano nacio­nal completo tem consequências na arquitetura geral do sistema, a começar pelo planeamento e operacionalização a nível municipal”.

No relatório, intitulado “Três anos após Pedrógão: onde estamos e onde queremos chegar?”, os seis peritos do OTI criticam também a “falta de integração” da AGIF no sistema, acusando esta entidade de ter “deixado pelo caminho o objetivo virtuoso da proposta que presidiu à sua cria­ção, como um instrumento de potenciação técnica no âmbito da prevenção e da supressão de incêndios”. Na opinião de Castro Rego, “a AGIF devia ser o maestro, mas não consegue que os elementos da orquestra entrem em sintonia”. Por isso, defende, “devia transformar-se numa interagência e, em vez de dizer o que as outras entidades têm de fazer, devia levá-las a entrar no sistema coletivo coerente”. Assumindo que podem subsistir “corporativismos”, defende que, “sendo a mudança difícil, devia haver um maior envolvimento das várias entidades no processo de decisão”.

IGNIÇÕES A DESCER
O presidente da AGIF, Tiago Oliveira, não se revê nestas críticas. “O Plano não é determinístico e há medidas a serem aplicadas que estão alinhadas com a estratégia aprovada e que foi sendo consolidada com o contributo de várias entidades”, argumenta. Quanto “à liderança que a AGIF tem conseguido promover, está representada nos números”, diz. Estes indicam que a média de ignições passou a ser um quarto do que era na última década e que a área ardida nos primeiros cinco meses do ano caiu 89% (de 9500 para 1029 hectares) face ao mesmo período dos últimos anos, “o que se deve às campanhas de sensibilização e a uma maior vigilância no terreno”.

Tiago Oliveira sublinha que, “com menos ignições, os meios de atuação são geridos de forma mais eficaz” e que “o investimento na prevenção aumentou 70% face ao que existia em 2017”. A prevenção pesa agora 44% (pesava 20%) no investimento, ficando o combate com 56%. “As pessoas perceberam que ter mais aviões para combater incêndios não é uma solução, mas um custo”, frisa. Castro Rego concorda e atesta que o relatório do OTI destaca, entre os aspetos positivos, a redução do número de ignições, “mesmo nos períodos de meteorologia adversa”, mas “falta avaliar o porquê”.

Prevê-se que junho seja calmo, devido à humidade no solo. Já para julho e agosto não há prognósticos fiáveis, dada a exposição ao risco de incêndio.

O Observatório também assume como positivo o aumento do número de sapadores florestais e das ações de sensibilização junto das populações pela GNR, a que se juntou a campanha Chama. A aposta na proteção dos aglomerados rurais através dos programas Aldeia Segura e Pessoas Seguras — que contam já com 1973 povoações — é igualmente aplaudida. Assim como a incorporação do conhecimento científico na formação dos agentes; a disponibilização por parte do IPMA de “informação meteorológica de apoio à decisão” da proteção civil; os concursos lançados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia para financiar projetos de investigação sobre incêndios florestais ou a cria­ção do Laboratório Colaborativo do Fogo e da Floresta.

Porém, há mais aspetos negativos apontados no relatório, nomeadamente o facto de “o conhecimento e a experiência na formação dos agentes não estarem suficientemente desenvolvidos, porque na Escola Nacional de Bombeiros continua tudo na mesma, por falta de definição e porque o conhecimento científico produzido não é integrado na lógica da formação”, lamenta Castro Rego. Outra “pecha grande”, segundo o especialista, é “continuar a não haver concursos para nomea­ção por mérito para os cargos de chefia na ANEPC e no ICNF”.

Olhando para o pacote de diplomas relacionados com a floresta, recentemente aprovado pelo Governo, o Observatório aplaude “o reconhecimento da necessidade de uma mudança estrutural da nossa floresta que a torne mais resiliente”, o que passa por cuidar e valorizar os espaços rurais disponibilizando incentivos jurídicos e financeiros aos proprietários e promovendo uma paisagem diversificada. Contudo, alerta que o cadastro da propriedade continua por fazer e que não é clara “a floresta de que precisamos”.

Quanto ao que esperar para este verão, os peritos estimam que junho seja calmo, tendo em conta a elevada humidade no solo. Já para julho e agosto não há prognósticos fiáveis, uma vez que o território nacional continua muito exposto ao risco de incêndio. “Apesar das melhorias nalguns componentes do sistema, não estamos seguros de que o país esteja suficientemente preparado para enfrentar eventos da mesma magnitude dos de 2017”, tendo em conta que a estrutura da propriedade e do ordenamento florestal se mantém, frisa o Observatório.


*Originalmente publicada no jornal Expresso de 13.06.2020 - (conteúdo exclusivo a assinantes)


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