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OPINIÃO - As autarquias, ficam melhor assim ... ou assim ... ?

As recentes eleições legislativas saldaram-se por uma mudança de protagonistas na governação. A tarefa que espera o novo Governo é hercúlea, fruto da acção negligente e altamente danosa da coisa pública perpetrada por quem governou o país nos últimos anos.  

Sem alternativa, e porque o desígnio imediato do país é cumprir com os credores, Portugal vai ter que executar, mesmo, o chamado acordo com a “Troika”.

Seguramente, uma das medidas mais polémicas a implementar será a redefinição do panorama administrativo local do país, com inaudita importância à questão do número de Municípios e de Freguesias. Está portanto lançado o debate, agora devidamente amplificado pela inevitabilidade imposta pelos credores de se proceder a um dimensionamento do Estado à medida da riqueza gerada pelo país.

Devo dizer que não discordo, à partida, de uma redefinição do mapa autárquico, que se consubstancie na extinção de Freguesias e de Municípios.

A actual geografia da nossa administração local é o resultado das reformas do Liberalismo, operadas por Mouzinho da Silveira e João Franco, no séc. XIX. É um mapa com mais de 100 anos! Um século, é um período mais do que suficiente para significativas alterações demográficas e de dinâmicas sócio-económicas. É evidente que há concelhos que perderam a dimensão crítica e a escala necessárias à existência de dinâmicas próprias de desenvolvimento. Outros há que, sobrepovoados e centrípetas, são mais uma realidade metropolitana do que municipal, pelo que têm que ser reinventados administrativamente. Faz sentido, por isto, mexer no mapa dos concelhos.

Mais pacífica é a extinção de Freguesias. Com limites territoriais associados às antigas paróquias, pouco têm a ver com as realidades territoriais e demográficas actuais. A amplitude da intervenção que hoje se exige a uma Freguesia não se compadece com limites meramente paroquiais, no sentido literal e metafórico…

Porém, não faz sentido reformar a administração local com ênfase no mapa autárquico e no ensejo puro e simples da poupança de dinheiro. Estamos, isso sim, perante uma oportunidade única para repensar as funções autárquicas e ajustar o quadro de competências dos Municípios e das Freguesias, reflectindo as exigências actuais do desenvolvimento local.

Do meu ponto de vista, por princípio basilar, ao nível da definição de competências, deve ser de considerar o princípio da subsidiariedade, ou seja, assegurar que o que seja melhor resolvido a um nível mais próximo dos cidadãos não será competência de um órgão ou nível administrativo mais afastado. Em termos de arquitectura do sistema, temos praticamente tudo feito. Temos constitucionalmente consagrados dois níveis de administração local: os Municípios e as Freguesias. Em termos de concepção do sistema, ele tem raízes bem fundadas na tradição e na história do país, em que a construção enquanto Estado teve uma evolução mais municipal do que regional, sendo que, por isso mesmo, os Municípios portugueses têm uma amplitude territorial maior, comparado com o que é comum na maioria dos países da Europa Ocidental. Nestas condições, o Município nem sempre está próximo o suficiente para resolver de forma eficaz os problemas mais localizados. As Freguesias, essas sim, são verdadeiros governos de proximidade.

As Freguesias são uma estrutura de governo local com fundamento histórico, legitimidade democrática - os seus órgãos resultam do voto popular directo - autonomia administrativa e proximidade às populações. São como que o “pedacinho de Estado” que as populações têm à mão para fazer valer as suas aspirações colectivas. Contudo, as Freguesias têm competências próprias residuais. No geral, partilham competências com os Municípios, numa relação de dependência de facto relativamente a estes.

Num quadro geral, verifica-se que as Freguesias têm o papel que os Municípios querem que elas tenham, deturpando-se assim o princípio da autonomia administrativa e financeira das Freguesias. Se nuns casos esta correlação não levanta problemas e existe uma normal e fluente transferência de competências dos Municípios para as Freguesias, com as correspondentes transferências financeiras, em benefício das populações. Outros casos há em que as freguesias são subjugadas a interesses políticos dos Municípios, que relegam as Freguesias para o papel de instrumentos do jogo político, ao arrepio da vontade e do interesse dos cidadãos. Não é líquido, portanto, que o sistema funcione de forma harmoniosa, numa lógica de subsidiariedade. Os próprios cidadãos não têm a noção das responsabilidades e competências de cada uma das autarquias, o que perturba a sua participação democrática.

É aqui que o sistema autárquico em Portugal deveria ser revisto. Partindo de uma discussão sobre o papel que se pretende para cada uma das autarquias, definir claramente na lei as competências que são melhor prosseguidas pelos Municípios e pelas Freguesias, estabelecendo a transferência, directamente do Orçamento de Estado, para cada autarquia, dos montantes financeiros correspondentes ao respectivo quadro de competências. Em alternativa, fixar critérios legais claros mas rígidos de contratos programa a celebrar entre os Municípios e as Freguesias.

A ideia é garantir uma verdadeira autonomia: política, administrativa e financeira.

É incompreensível que as Freguesias sejam confrontadas com a mesma exigência e escrutínio dos cidadãos relativamente aos Municípios, precisamente por não ser discernível ao cidadão comum, de forma clara, o papel que cabe a cada um.

Actualmente, os cidadãos projectam as suas expectativas em mais do que cimento e alcatrão. Querem melhor educação, mais e melhor cultura, melhor ambiente, saúde… As Freguesias têm um papel importante na criação de dinâmicas que alcancem as várias aspirações locais, numa perspectiva de proximidade. Perante isto. Perante aquilo que se exige às Freguesias, são necessários meios financeiros para acudir a expectativas tão elevadas dos cidadãos.

Num contexto de gravíssima crise orçamental, não colhe simpatia falar em aumento de transferências do Estado para as Autarquias. Seria até contraditório com a atitude de passividade das Freguesias relativamente aos desproporcionados cortes de transferências do Estado que têm sofrido com os sucessivos PEC’s. Do que falamos aqui, é de redefinição de competências e redireccionamento de meios financeiros. Isto é, dar as competências a quem as pode exercer de forma mais eficaz em benefício das populações e fazer-lhes corresponder os meios financeiros.

Será que ninguém se questiona sobre o facto de uma Freguesia ter que “mendigar” verbas para alargamentos e melhoramentos de caminhos, eventos culturais, infra-estruturas urbanísticas a um Município, e esse mesmo Município, desenvolver uma estrutura política sobredimensionada, com vereadores, secretários, chefes de gabinete, entre outros … com gastos elevadíssimos? Não digo que esse pessoal não seja necessário, o que penso é que, quase sempre, é manifestamente excessivo relativamente ao benefício efectivo que resulta para as populações em virtude da sua acção.

No concelho de Penacova, por exemplo, verificou-se de 2009 para 2010 uma aumento das despesas correntes de cerca de 600 000€, dos quais 160.000€ em despesas com pessoal político. Estes valores corresponderam, grosso modo, à diminuição das transferências do Município para as Freguesias em 2010. Um exemplo gritante de que algo vai mal…

Deve ser profunda, portanto, a reforma do nosso sistema autárquico.

Mauro Carpinteiro