ANMP - Municípios exigem ser parte activa no QREN e na reforma do Estado
No congresso em que foi consagrado presidente, Manuel Machado avisou o Governo que a ANMP se recusa a “assistir e a contribuir para o estertor do poder local e da sua autonomia”
Os
autarcas não vão tolerar mais “desconsiderações” por parte do Governo e exigem
ter um papel activo em dossiers considerados fundamentais, como o próximo
quadro comunitário de apoio e a reforma do Estado. Este sábado, no XXI
Congresso da Associação de Municípios que consagrou o socialista Manuel Machado
como presidente, ouviram-se muitas críticas ao centralismo e à forma como o
Executivo se tem relacionado com os municípios. A partir de Santarém, Manuel
Machado avisou o Governo que a ANMP se recusa a “assistir e a contribuir para o
estertor do poder local e da sua autonomia”, salientando que “os municípios não
aceitarão voltar a ser desconsiderados nos processos decisórios”.
“Não
seremos meros espectadores do aprofundamento da fractura social das nossas
comunidades”, declarou Manuel Machado no seu primeiro discurso como líder da
associação, afirmando que a ANMP quer “agir construindo soluções para recriar a
esperança dos portugueses e evitar o estado de emergência social que a todos
angústia”.
Na
sessão de encerramento, Machado carregou ainda mais nas tintas. Afirmou que “os
municípios rejeitarão todos os processos em que não sejam vistos, nem tratados,
como agentes fundamentais do desenvolvimento e da afirmação dos territórios e
das suas comunidades”. E desafiou o Governo a alterar o seu relacionamento com
os municípios.
O
novo líder da associação de municípios dirigiu-se ao ministro adjunto do
Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro, que presidiu à sessão de
encerramento, para deixar alguns avisos ao Governo e lembrar que “o poder local
é um pilar fundamental da organização democrática e constitucional do Estado” e
que “está na primeira linha do combate de atraso do país”.
“Senhor
ministro adjunto e do Desenvolvimento Regional, é inadmissível que o Governo
desconsidere os actos de gestão dos municípios de todo o país. E não é só
inadmissível por evidenciar que no interior do Governo de Portugal habita o
vírus antidemocrático. É inadmissível porque mostra que o Governo não está, assim,
a perceber o mundo em que vive. Não está a saber liderar a sociedade portuguesa
neste momento da sua história”, disparou.
O
Orçamento do Estado para 2014 não escapou às críticas do presidente da ANMP,
que o considerou um “dos documentos mais centralistas que já foram produzidos
em Portugal”. “Ao tratar por igual 308 realidades diferentes – sujeitando-as
todas à mesma desconfiança, às mesmas limitações, à mesma menorização,
independentemente da sua situação concreta – o Governo mostra que só acredita
na gestão feita entre o Terreiro do Paço e São Bento, de Lisboa”, censurou.
Contra
o centralismo do Governo manifestou-se também o social-democrata Almeida
Henriques, desde ontem vice-presidente da ANMP.
O
presidente da Câmara de Viseu classificou o centralismo como “um dos venenos
mortais do país, da democracia, da livre iniciativa empresarial e territorial”
e reivindicou a clarificação do papel dos municípios na
programação e gestão dos fundos comunitários. “Os municípios devem encarar o
novo QREN [Quadro de Referência Estratégico Nacional] sem conservadorismos nem
ideias preconcebidas, mas o mesmo se espera do Governo”, afirmou o
ex-secretário de Estado adjunto da Economia e Desenvolvimento Regional do actual
Governo.
Almeida
Henriques foi, com o presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz, João
Ataíde, relator da síntese das conclusões do trabalho de análise sobre a
programação do futuro QREN, designado Portugal 2020, ontem apresentada na
reunião magna. O autarca do PSD saudou os “avanços” que o Governo tem realizado
na negociação do Acordo de Parceria, citando o reforço da dotação financeira
dos programas operacionais regionais, mas apontou as “muitas questões sem
resposta e uma ausência de participação substantiva das autarquias e dos
parceiros económicos e sociais” na programação da estratégia Portugal 2020 e no
seu modelo de governação.
Em
seu entender, “arredar os municípios das decisões estratégicas e programáticas
do país seria não apenas um desrespeito por um pilar central da democracia
portuguesa, mas também uma limitação capital às condições de sucesso das
políticas de desenvolvimento do país”.
Sem
responder a críticas, Poiares Maduro reconheceu que os desafios que se colocam
ao poder local são grandes, mas acredita que “os autarcas saberão estar à
altura” de os realizar. “Uma democracia não sobrevive apenas assente no
consenso”, afirmou o ministro, salientando que o Governo e os municípios “não
têm que estar sempre de acordo. “É possível construir consensos em tempo de
crise”, declarou, acreditando que “vai ser possível continuar a construir pontes
Ruas
confessa frustração por não se poder recandidatar - O ex-edil de Viseu lamenta tensão entre poder central e local
Fernando Ruas deixou este sábado a
presidência do conselho directivo da Associação Nacional de Municípios
Portugueses (ANMP) com uma frustração, que partilhou com autarcas presentes no
XXI Congresso, em Santarém: “Posso referir ser o único cidadão maior e sem
cadastro que é impedido de ser recandidatar ao município de Viseu”.
Na sessão de
abertura do congresso da associação de municípios, o presidente cessante da
ANMP não resistiu a criticar a Lei de Limitação de Mandatos que o impediu de se
recandidatar a mais um mandato à frente da Câmara de Viseu, à qual presidiu 24
anos, e aproveiou para criticar o memorando de entendimento e o acordo firmado
pelos chamados partidos do arco da governação, documento que, disse,“foi
distorcendo e marcando todos os princípios e regras por que se seguia todo e
qualquer país livre, soberano e independente”.
No discurso de
despida enquanto presidente da ANMP, Ruas recusou que os municípios sejam
despesistas e realçou as “dificuldades acrescidas” criadas às autarquias pelo
memorando de entendimento e referiu que “sempre existiu uma tensão latente e
natural entre o poder local e o poder central”.
O ex-autarca do PSD
defendeu a autonomia do poder local como um “princípio ‘genético’ e
estruturante do Estado de direito” e referiu-se depois “às circunstâncias
excepcionais e inusitadas” que acontecerem nos últimos anos e que “impuseram ao
país, no seu todo, condições sociais, políticas e económicas draconianas de que
o poder local não saiu ileso”.
Na hora de passar o
testemunho, o presidente cessante da associação de municípios destacou a
importância da ANMP, “uma instituição única e uma referência nacional na
governação de âmbito local, um modelo em que orgulhosamente, todos nos podemos
rever (...)” e enalteceu a “independência” que tem marcado a história da
associação.
Antes, tinha
evidenciado o “contributo, apoio, dedicação e trabalho dos pares dos sucessivos
conselhos directivos, desde os primórdios em 2001 até ao presente (...) e
aproveitou para agradecer a todos os membros do Conselho Geral na pessoa do seu
presidente, Mário de Almeida, pela “frontalidade na defesa das suas convicções
sem nunca pôr em causa o bem maior e mais elementar dessa casa –
consensualização de posições(...)”.
Texto Margarida Gomes
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