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HOMENAGEM a um Senhor dos Moinhos

        Era uma vez um moinho de vento que na minha infância visitava em tardes descuidadas de Verão, no sítio das Almoinhas, em Souselas. Ou outros, de água, que gostava de ver a trabalhar na Moenda ou na Azenha. Mais tarde, quando jovem, sozinho ou com amigos, subia à Serra do Alhastro (que um dia será talvez transformada em cimento), para ver os moinhos ou para correr ali contra o ar que sopra nas alturas da terra, para ter a sensação da aventura de ficar sufocado (coisas de moços!), como uma espécie de velas de moinho que resistem à força do vento e se servem dele. Nunca mais os moinhos saíram da minha memória.
Por isso, sempre volto a eles. Aqui, em Penacova na serra de Gavinhos, para os ver ainda a trabalhar, em amena conversa com o moleiro Senhor Branco, mas onde os moinhos se misturam com uma péssima imagem de betão (Nossa Senhora nunca quereria ver-se assim representada). Ou na serra da Atalhada, transformados em apartamentos de turismo. Ou na Portela. Ou no Vimieiro, onde há ainda a laborar um moinho de água. Ou no vale fértil dos monges beneditinos de Lorvão e das suas sucessoras de Cister, onde esses moinhos existem apenas como memória da História.
No Museu da Portela, instalado no moinho que foi de Arantes e Oliveira, mas que tem perto o moinho poético de Vitorino Nemésio, era senhor da sua história o Senhor Abílio, que a contava, e ma contava, com competência, todas as vezes que eu por ali passava com a família ou com amigos de muitas origens, entre eles japoneses, que não esqueceram o amor aos moinhos de um dos seus Poetas, que viveu na Praia de Santa Cruz. Por vezes o Senhor Abílio vinha a minha casa, onde, entre dois copos de vinho e algo mais, voltava à sua narrativa. Ali me deixou uma maquete explicativa do mecanismo dos moinhos, feita de fósforos, que guardo com dedicação.
Num destes dias que passaram, já próximo do Natal, em que tudo parece renascer (até o consumismo de alguns, mesmo neste tempo de austeridade), sofrido pelos seus dramas pessoais e pelos dramas do nosso país e desta Europa ou deste Mundo sem alma, decidiu o Senhor Abílio que devia fazer parar as velas do seu moinho. Perdeu-se alguém que amava o seu ofício. Mas os moinhos (assim o espero) continuam a mover as suas velas, talvez recordando as lições de um dos seus senhores. É com esta representação que dirijo uma palavra de saudade ao Senhor Abílio… onde quer que esteja. Se o “seu Museu” (que também é do Dr. Leitão Couto) continuar a funcionar, será a melhor homenagem que se pode prestar a este Homem dos Moinhos. Por ali andarão sempre as suas cinzas, tocadas pelo vento.

Luís Reis Torgal
      

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