42º CONGRESSO DA LIGA DOS BOMBEIROS - António Simões entrevistado pelo Diário As Beiras
Coimbra acolhe nos dias 24, 25 e 26 de outubro, no Pavilhão Mário Mexia, o 42.º Congresso Nacional da Liga dos Bombeiros Portugueses. Daqui sairá o próximo presidente presidente da Liga: Jaime Soares (o atual presidente) ou Joaquim Marinho (Federação de Bombeiros de Viseu). Durante os três dias serão debatidas questões como o financiamento das associações e reganhar da identidade dos bombeiros nos órgãos nacionais de comando. O DIÁRIO AS BEIRAS conversou com António Simões, presidente da Federação dos Bombeiros do Distrito de Coimbra e comandante dos Bombeiros Voluntários de Penacova
Este é um congresso para todos os bombeiros portugueses?
A Liga dos Bombeiros Portugueses representa o universo dos bombeiros nacionais e a ela estão associadas as associações humanitárias, os municipais (neste caso são as autarquias as associadas) e alguns privativos.
De que números falamos?
De um total de 472 corporações e cerca de 40 mil homens e mulheres.
Mais homens que mulheres?
Sim, mais homens do que mulheres, mas qualquer dia não será assim. De facto as mulheres estão a aderir muito à causa dos bombeiros.
Geralmente alia-se a tarefa do bombeiro aos incêndios.....
Eu acho que me zango todos os dias quando ligam os bombeiros só aos incêndios, sejam florestais ou urbanos. Então este ano, toda a gente dizia que tínhamos uma vida mais calma e sem nada para fazer. E não é nada disso. Os incêndios representam uma pequena percentagem de seis ou sete por cento daquilo que é a atividade dos bombeiros. Setenta por cento da emergência pré hospitalar é feita pelos bombeiros. O transporte de doentes não urgentes para consultas e tratamentos e todos os acidentes são tarefa dos bombeiros. E não só.
Porquê Coimbra para acolher este congresso?
Este é um congresso ordinário que, nos termos dos estatutos da Liga dos Bombeiros Portugueses, tem lugar de três em três anos. Este ano candidatou-se Coimbra e Lisboa e ganhou Coimbra. Neste caso, é a Federação do Distrito de Coimbra que organiza, com o apoio da Liga, das associações de bombeiros e da autarquia.
Qual é o tema em debate?
O tema principal são as eleições para a presidência da Liga dos Bombeiros Portugueses.
Quem são os candidatos?
Este ano volta a reeditar-se o confronto entre o atual presidente Jaime Soares e o presidente da Federação dos Bombeiros de Viseu, Joaquim Marinho.
Apoia Jaime Soares. É um apoio da Federação de Coimbra?
É um apoio da Federação. A quase totalidade das associações humanitárias do distrito apoia Jaime Soares.
E porquê?
O comandante Jaime Soares é nosso conterrâneo mas não é por isso. Acredito que em Portugal ninguém tem uma voz tão presente, tão incisiva e um conhecimento tão profundo daquilo que é a realidade dos bombeiros. Alguns dizem que o tempo dele já passou, mas não. Acho de facto que ele continua a ter condições para desenvolver um bom trabalho naquilo que a Liga tem que fazer e que é reivindicar melhores condições para os bombeiros. E nestes três anos, Jaime Soares fez mais do que qualquer outro nos últimos 20/30 anos.
Exemplos…
O seguro de acidentes pessoais dos bombeiros. Há quantos anos isto não era mexido. Algo que implicou uma negociação muito forte com a Associação Nacional de Municípios. Em dois anos e pouco ele conseguiu aquilo que ninguém conseguiu em mais de 20 anos. O aumento do valor mensal que o Estado dá às associações de bombeiros também foi ele que o conseguiu. A reposição de veículos destruídos em incêndios e que o Estado nunca tinha comparticipado a 100 por cento e que passou a fazê-lo. A Escola Nacional de Bombeiros de que a Liga é parceira na gestão, que faz hoje mais formação como nunca tinha sido feito antes.
Mas há outras questões?
Sem dúvida que há outras preocupações que se vão colocar em discussão, como o futuro dos bombeiros, o financiamento, as associações humanitárias. É importante pensarmos o futuro dos bombeiros não no sentido de andarmos a pedir esmola e permanentemente com o chapéu na mão. Os portugueses têm que perceber que os bombeiros devem ser apoiados porque são um bem essencial à sociedade.
Se os voluntários acabassem o que podia acontecer?
Os bombeiros voluntários não podem acabar em Portugal, tal como as polícias, os médicos, os enfermeiros, os jornalistas e tantos outros profissionais. Os bombeiros voluntários hoje são de facto uma grande mais-valia para o socorro em Portugal e no mundo, não apenas pelo seu custo, mas também pelo aspeto solidário, humanista e pela forma de estar dos próprios portugueses. Nós somos voluntários nas mais diversas instituições, como ranchos, filarmónicas, instituições de solidariedade social. Eu costumo dizer em tom ligeiro, mas muito sério, que os bombeiros são tão voluntários como a banda filarmónica. Mas há uma questão de responsabilidade fundamental: se a banda não for tocar à festa, os mordomos ficam zangados, mas não vem mal ao mundo. Se os bombeiros faltarem pode ser muito preocupante.
Mas continua a distinguir-se entre profissionais e voluntários.
Muito do socorro em Portugal já é feito por profissionais em Portugal, sobretudo durante o dia. Ou seja, a maioria das associações dos Voluntários tem profissionais ao seu serviço, mas é quando toca a rebate e, sobretudo durante a noite, fins de semana, é que entram os voluntários em ação. Sobretudo no verão ou quando há acidentes grandes, toca-se a rebate e eles aparecem de todo o lado.
As empresas são sensíveis a esse espírito voluntário?
Se calhar, hoje cada vez menos. Já lá vai o tempo em que a maioria dos serviços nas empresas era manual e se faltasse um trabalhador haveria sempre outro que o substituía. Hoje as coisas evoluíram e já não é bem assim. O trabalhador não pode ser dispensado dum momento para o outro nem mesmo para o socorro. Mesmo os próprios municípios começam a ter dificuldade. E, mais. Hoje os vínculos às empresas são precários e o trabalhador não se pode dar ao luxo de faltar ao serviço. Os bombeiros têm que acompanhar este evoluir da sociedade.
A formação tem sido preocupação constante. Qual é o balanço quanto ao resultado?
Extremamente positivo. Eu diria que nos últimos cinco anos fez-se mais formação do que em décadas. Os bombeiros têm acompanhado de forma muito forte a formação aos mais diversos níveis, na área da prevenção e combate aos incêndios, na área pré-hospitalar, nos acidentes rodoviários, nomeadamente, com matérias perigosas.
Os bombeiros integram os serviços de proteção civil. Como funciona a integração?
Temos hoje uma Autoridade Nacional de Proteção Civil que tutela, em termos administrativos, os bombeiros em Portugal. Pessoalmente não concordo com o nome pois representa uma certa secundarização dos bombeiros. Quando se diz que esteve presente a Autoridade de Proteção Civil, não é correto pois quem lá esteve foram os bombeiros. A autoridade para a Proteção Civil não tem operacionais, tem agora uma força especial com cerca de 500 homens a nível nacional. Se bem que a Proteção Civil seja o conjunto dos agentes como os bombeiros ou a GNR, é claro que os bombeiros estão sempre na linha da frente.
É por isso que defende um comando próprio?
Sem dúvida que se estão sempre na linha da frente, eu entendo que precisamos de uma direção nacional de bombeiros, como já tivemos o Serviço Nacional de Bombeiros. Estas alterações secundarizaram, como já disse, os bombeiros que até passaram a ser chamados pela Autoridade Nacional, de operacionais. Parece que a própria palavra bombeiros lhes queima a boca. Por isso me parece que também aqui temos que renovar a nossa identidade.
Mas essas questões passam ao lado das populações!
Felizmente. A população não nota isso pois em qualquer situação ligam para os bombeiros. Têm um pneu furado, ligam para os bombeiros, têm uma frigideira a arder no fogão, ligam para os bombeiros, andam aí as vespas asiáticas e ligam para os bombeiros. E porque a população não nota essa falta de identidade, parece que a tutela tem medo de qualquer coisa. Nós temos um comando distrital de operações de socorro onde a maioria é ou foi dos bombeiros, mas parece que até tiveram vergonha da farda pois escolheram outra.
A Liga pode ocupar esse espaço?
A Liga não pode ocupar esse espaço pois, se isso acontecesse, deixaria de ser a força reivindicativa que tem que ser impulsionadora das necessidades dos bombeiros.
A questão do equipamento individual gerou alguma polémica. O que correu mal?
Eu acho que o processo tem muito mérito. A ideia de equipar os bombeiros é de aplaudir, embora não haja equipamento milagroso. Mas o cuidado com a proteção individual já era um dado adquirido e já não se viam bombeiros sem capacete e sem os fatos de proteção que já tínhamos. É verdade que face àquilo que aconteceu há dois anos, o Estado lembrou-se, e bem, de dotar os corpos de bombeiros de fardamento a custo zero. Mas a responsabilidade foi sempre e deve continuar a ser do órgão que tutela os corpos de bombeiros e que são as associações humanitárias. Se nos derem o fardamento, como foi o caso de agora, a associação agradece. A ideia é generosa e é bem-vinda pelos bombeiros mas o processo em minha opinião, pecou pela forma como foi conduzido. Julgo que se quis fazer à pressa por causa do verão e por isso não correu como seria de esperar. O tempo não pára e quando estamos a acabar um verão se nos descuidamos já estamos com outro à porta e não há tempo para fazer concursos.
A entrega às CIM’s facilitou o processo?
Bom, a nível local se calhar faz-se melhor, ou pelo menos era suposto fazer-se melhor. A questão é que as próprias CIM viveram um processo de reorganização que coincidiu com estes concursos para os quais se calhar a maior parte nem estaria preparada em termos até de recursos humanos. Tudo isto levou a que houvesse atrasos, mais num sítios do que noutros.
E já receberam todos?
Não. Em Coimbra, parte das corporações que pertenciam à CIM do Baixo Mondego já recebeu 50 por cento do equipamento. A parte que pertencia ao Pinhal Interior ainda não. Mas a Autoridade Nacional de Proteção Civil abriu concurso para os restantes 50 por cento.
Esta lei que obriga os proprietários a limpar os terrenos ajuda o vosso trabalho?
É importante sublinhar que as populações estão mais sensíveis à questão dos incêndios e que as autoridades têm assumido uma postura de sensibilização. Mas, na verdade, as limpezas não se fazem e se as pessoas da cidade pensam que isto dos incêndios é um problema rural estão enganadas. Os matos cada vez mais entram pelas cidades dentro. E quando acontecer outra tragédia, talvez quem manda nas cidades pense de outra forma. Se a floresta é importante, então é preciso olhar para ela de outra forma e pagar dignamente a quem dela trata. | Eduarda Macário
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