CIÊNCIA VIVA - Legionella - Um dos membros da realidade paralela
Quem é que disse que universos
paralelos são coisa de ficção científica e que não existe uma realidade
alternativa à nossa? Existe sim e é tão numerosa que “nos esmaga”. As bactérias
microscópicas (mil vezes menores do que um milímetro, por aí...) que existem e
florescem por todo, mas mesmo todo o lado (diz-se que são ubíquas), constituem
uma realidade com a qual convivemos diariamente, sem que dela tenhamos
consciência. E acreditar numa realidade paralela constituída por googols (1 googol é
um 1 com 100 zeros à frente) de bactérias que co-habitam connosco diariamente
no nosso espaço, algumas de modo tão íntimo (umas míseras 1015, um 1
com 15 zeros à frente) que se encontram na nossa pele ou mesmo dentro de nós,
só não é um verdadeiro acto de fé para o comum dos mortais, porque lá azeda a
garrafa de vinho que ficou aberta, para o comprovar. Depois, de vez em quando,
estes minúsculos seres saltam para as notícias, dominam as conversas,
monopolizam as atenções e deixam-nos de suores frios a olhar de lado, sem saber
o que fazer. Bebemos? Respiramos? Tomamos banho? Ou é melhor ficar quietinho
sem fazer nada até que tudo passe? Confesso que esta imagem é desconcertante e
muito embaraçosa. É como imaginar David contra Golias só que um milhão de vezes
pior em termos de escala de tamanhos.
Ora há bem pouco tempo Portugal
foi notícia (e ainda é), dentro e fora de portas, por um surto de infecção por Legionella,
circunscrito a uma zona concreta ou a ela relacionada, que fez centenas de
doentes e quase uma dezena de mortos, e que ainda não foi completamente
debelado. E como é natural, muito se tem falado sobre esta doença do Legionário
ou Legionelose, sobre os seus sintomas e os factores de risco, como nos podemos
prevenir da contaminação em caso de um surto e como se deve agir em situação de
suspeita. Falta ver o outro lado. “Quem” é a Legionella?
A Legionella
pneumophila, agente etiológico (responsável) pela Doença do Legionário
é uma bactéria aeróbia (“respira” oxigénio como nós), que se move por meio de
um flagelo (estrutura semelhante a um chicote) e que pode ser encontrada em
ambientes aquáticos naturais e artificiais. Neste último caso estão os sistemas
de canalização e de refrigeração, os dispositivos de terapia respiratória/
nebulização e as fontes, piscinas e spas. Esta bactéria que suporta
ambientes ácidos equivalentes ao sumo de limão não se dá bem com o frio
(temperaturas inferiores a 20°C estão fora de questão), nem com o
calor excessivo (a 60°C não sobrevive mais do que umas horas e morre
instantaneamente acima de 70°C). Estes factos fazem com a temperatura
ambiental seja um factor importante na proliferação e no controlo deste
microrganismo, e tornam segura a distribuição da água a uma temperatura
inferior a 20°C. Mas ninguém vive só de água e a Legionella também
não. Já de “pão e água”... Ora parece que a sua exigência nutricional não é
grande. Para crescer e se multiplicar bastam-lhe os nutrientes existentes na
água, resultantes por exemplo da decomposição de outros microrganismos. E com isto
está visto que encontrar água sem Legionella há-de ser como
“agulha em palheiro”. Mas calma, não há problema! O que podia um soldado romano
sozinho, ou dois, nas estradas do Império? Já uma legião podia muito e a
História comprova-o. A título informativo posso referir que o nível de alerta
para a Legionella na rede predial é de 1000 indivíduos viáveis
por cada litro de água, e que esta rede é periodicamente monitorizada. Ora toca
a beber água e a tomar banho que o inverso é que nos pode fazer muito mal!
Alexandra Nobre (Bióloga –
Comunicadora de Ciência)
Nota: Este texto não foi escrito
ao abrigo do acordo ortográfico de 1990.
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