Últimas Notícias

OPINIÃO - O voto vencido

Não é fácil escrever um artigo sobre o actual contexto político, muito menos é de leve consideração a quantidade de desinformação existente relativamente ao contexto político actual. Com o presente artigo viso tentar afastar-me das ideias partidárias a que a política simples trouxe mas sim explicar o que está a suceder e as suas possíveis consequências.

Para todos nós entendermos a actualidade política, temos que ter em conta que o nosso sistema político está assente em controlos e vigilâncias dos poderes das instituições soberanas. Neste caso em concreto falamos no Presidente da República, Assembleia da República e o Governo. No funcionamento das suas actividades, o Governo é responsável politicamente perante o Presidente da República e a Assembleia. A Assembleia pode votar uma moção de censura ao Governo e este sair demissionário assim como o Governo pode pedir uma moção de confiança para legitimar ainda mais a sua posição. O Presidente pode demitir o Governo ou dissolver a Assembleia. Para evitar o bloqueamento das instituições democráticas e assegurar o normal decorrer da vida democrática do país é que estes mecanismos são interpostos pela Constituição. A realidade neste momento é que o Governo não ganhou a confiança da Assembleia demonstrada pelas moções de censura da esquerda parlamentar, encontrando-se o Governo em gestão.

E se o Governo minoritário do Partido Socialista apoiado nos partidos de esquerda governar é legítimo? Nada na Constituição diz o contrário. Após o Presidente ter dado posse a um Governo que tendo ganho as eleições foi recusado na Assembleia pelos deputados da nação o Presidente tem de procurar uma alternativa que dê a estabilidade governamental ao país. A necessidade de estabilidade é a chave deste processo; um Governo que tenha a confiança da Assembleia para que possa legislar e não faça o país refém de qualquer tipo de bloqueio institucional. Além disso é legítimo pois os Deputados não representam um Partido mas os cidadãos portugueses, cujo voto decidiu a situação actual. Neste sentido leio de forma lata a nossa Constituição dado que a condição de ter em conta os resultados eleitorais pelo Presidente já foi cumprida, restando somente dar a melhor solução Governativa ao País. Tenho de salientar que a Constituição é omissa nesta questão, unicamente dizendo que perante esta situação se deve proceder a novas eleições.

Se de forma jurídica esta questão está resolvida, no superior interesse de dar uma solução governamental ao país que dê condições governativas, no plano ético e moral peca muito. Numa primeira parte, quebra-se com o Direito Convencional de que o partido que ganha é que Governa. Portanto criamos uma nova regra: nem sempre o partido que ganha eleições governa. Este exemplo já existe na Europa pelos casos da Noruega, Dinamarca, governos regionais em Espanha, ou as sempre atribuladas negociações políticas belgas.

Outra questão que gera problemas é o valor do voto para os portugueses. Com esta decisão, parece que o valor do voto de um cidadão não é igual ou tem o mesmo peso relativamente a outro que tenha votado em sentido contrário. O português comum não leu um programa de partido e muito menos imaginou qualquer hipótese de coligação entre os partidos de esquerda para derrubar os partidos de direita. O comum português votou sim no partido e na pessoa que achou a melhor opção que iria governar o país.

O perigo está agora na reacção da nossa sociedade nas próximas legislativas, sejam elas quais forem. A reacção natural será o descrédito do voto, pois realmente ele não tem utilidade dado que a mensagem transmitida e não clarificada pelos políticos é que tudo se resolve nos bastidores, de forma opaca. A outra reacção é a extremista, uma votação em massa num partido para que isto nunca mais volte a acontecer ou pior, num partido de valores extremistas.

Seja o que for que aconteça, creio que se o Governo for Socialista, António Costa deve fazer um comunicado urgente ao país a explicar o que aconteceu, um discurso sincero e transparente, acima da refrega partidária para salvar a face à democracia e aos políticos. “Mas ainda espero melhor todavia, porque o povo, o povo está são: os corruptos somos nós, os que cuidamos saber e ignoramos tudo.” - In Viagens na minha terra, Almeida Garret.

Armando Filipe Rodrigues Mateus