INVESTIGAÇÃO - Cientistas conseguiram eliminar os primeiros sintomas da doença de Alzheimer em modelos animais
Num estudo financiado pelo Prémio Mantero Belard de Neurociências da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e pela Association Nationale de Recherche (França), um equipa de 15
investigadores portugueses e franceses descobriu
como eliminar os primeiros sintomas da doença de Alzheimer em modelos animais,
num estudo inédito coordenado por Rodrigo
Cunha, do Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC) e da Faculdade
de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC).
A descoberta, já publicada na
conceituada revista científica Nature
Communications, foi possível porque, pela primeira vez, os cientistas
focaram o estudo na causa dos primeiros sintomas da doença (perturbações na
memória) – modificações da plasticidade das sinapses no hipocampo.
O hipocampo desempenha um papel
essencial na memória, funcionando como o gestor do gigantesco centro de
informação recebida pelo cérebro. Das dezenas de milhões de sinais recebidos, o
hipocampo tem de selecionar a informação relevante e validá-la, atribuindo-lhe
uma espécie de “carimbo de qualidade”. Quando ocorrem falhas, este gestor
assume que toda a informação é irrelevante.
Sabendo-se que as sinapses
são as responsáveis pela transmissão de informação no sistema nervoso,
garantindo a comunicação ente neurónios, a equipa utilizou um modelo animal
duplo mutante (com a modificação de dois genes da proteína APP, que causam
doença de Alzheimer em humanos) para rastrear toda a atividade destas ligações
e identificar o que impede o hipocampo de processar e gerir corretamente a
informação obtida.
Nas experiências realizadas
ao longo de três anos, os cientistas adquiriram registos detalhados da
plasticidade das sinapses através de eletrofisiologia da atividade cerebral e descobriram que a origem do problema estava
no funcionamento excessivo dos recetores A2A para a adenosina (“antenas”
envolvidas na comunicação cerebral), bloqueando
a capacidade do hipocampo de atribuir o “carimbo de qualidade” à informação
importante para a memória.
Identificada a falha no
centro de gestão de informação, os investigadores produziram e administraram no
ratinho um “vírus”, interferindo com este recetor A2A e conseguindo eliminar os
sintomas da doença. «Quando o recetor
A2A tem um funcionamento excessivo, o hipocampo é incapaz de separar a
informação relevante da não relevante, mas bloqueando este processo tudo volta
à normalidade», explica o coordenador do estudo.
Rodrigo Cunha considera que
os resultados desta investigação representam «um avanço extraordinário para o desenvolvimento de estratégias de
combate à doença de Alzheimer, pois conseguimos recuperar o funcionamento
sináptico» e defende o avanço para os ensaios clínicos.
«Do ponto de vista ético é criticável se não se prosseguir para ensaios
em humanos, pois os bloqueadores dos recetores A2A são de utilização segura
para os doentes, permitindo eliminar os primeiros sintomas da demência mais
comum. E Coimbra tem todas as condições para avançar, embora careça de
financiamento», assevera o cientista da UC.