FOTOGRAFIA - Varela Pècurto: O mestre faz hoje 95 anos
“A minha vida está muito cheia. Graças a Deus e ao diabo que
também precisa de ser fi ntado, não é?”. Varela Pècurto faz hoje 95 anos. Uma
vida dedicada à fotografia, arte por que se deixou “enamorar” era ainda gaiato.
Cresceu na imensidão do Alentejo, entre Ervedal e Avis, numa
quinta onde pai era feitor. Aos oito anos, porém, a família abalou para Évora.
“Desde aquela altura que eu tinha o gosto pela fotografia.
Quando terminei o liceu, a minha mãe tentou convencer-me a fazer o exame de
admissão à universidade. Mas eu não queria e então, disse-me para eu ir fazer
um exame a um banco em Lisboa que era dirigido por um familiar nosso”.
O rapaz lá foi a contragosto. “Não queria passar oito horas
dentro de quatro paredes. Eu, que tinha crescido no campo, que era uma avezinha
livre. Lá me pus a caminho, a pensar como devia ultrapassar aquela dificuldade”,
recorda.
Na estação ferroviária diz ter escutado uma voz
segredar-lhe: “Chegas lá, consideras que 9 vezes 3 são 28 e o assunto fi ca
arrumado”. E ficou. Quando chegou a casa, disse à mãe: “Nem para bancário dou.
Quero ser fotógrafo”.
Ainda ingressou no Instituto Comercial de Lisboa, mas uma
fatalidade – a morte, de parto, da única irmã – fê-lo desistir dos estudos,
regressando então a Évora. Ali iniciou a atividade fotográfica no estúdio
Nazaré & Freitas, mas ao fim de três meses, David Freitas – um mestre da
arte, pai do futuro pintor Lima de Freitas – desafiou-o a dedicar-se à
fotografia como profissional a tempo inteiro.
Com o mestre e também artista Eduardo Nogueira trabalha,
então, intensamente. Em pouco tempo, Varela Pècurto ganha fama e coleciona
prémios em salões e concursos de fotografia, no país e no estrangeiro – algo,
de resto, que sempre sucederia, ao longo da sua vida.
Um dos mais reputados fotógrafos portugueses
Inscreve-se, então, no Grupo de Amadores de Fotografia e
Cinema “Câmara”, que tinha sócios em Portugal inteiro. Um deles, o médico
António Gonçalves, conheceu-o e desafiou-o a ir para Coimbra, onde a conhecida
Livraria Atlântida, na rua Ferreira Borges, se preparava para abrir uma secção
de fotografia.
Varela Pècurto chegava à cidade em 1950 e, em pouco tempo,
passou de funcionário da Atlântida a sócio-gerente da casa Hilda, na Portagem.
Ao longo da sua carreira, Varela Pècurto conquistou 51
medalhas, uma das quais da Federação Internacional de Arte Fotográfica, e mais
de 100 menções honrosas em concursos fotográficos internacionais.
Tornou-se num dos mais reputados fotógrafos portugueses: foi
correspondente da RTP durante décadas e colaborou em muitos jornais e revistas
nacionais e regionais.
“Dediquei-me muito à RTP. Demasiado até, porque quem pagou
por isso foi a minha família com as minhas ausências”, lembra. Não se arrepende
de nada e o vício do fotojornalismo ainda está presente: “Eu não temia perigos.
Na televisão ia morrendo algumas vezes. Fiquei cercado pelo fogo, ia sendo
atingido por uma derrocada... Mas o tal anjo que me disse no caminho-de-ferro
que 9 vezes 3 eram 28 está comigo até hoje”, diz.
Da vida cheia, ficou o gosto pelo atletismo, em particular
salto à vara – que praticou no liceu. E o amor pelo Alentejo e por Coimbra.
“Ainda antes desta pandemia, eu estava pronto para jogar pela Académica e já
não joguei!”, diz, a brincar.
Foi assim, ao longo
de 95 anos, que Varela Pècurto foi fintado a vida. “E o diabo, que também
precisa de ser fintado, não é?”.
Patrícia Cruz Almeida – Diário As Beiras
Nota
O município de Penacova foi um daqueles a quem Varela Pècurto doou do seu espólio fotográfico constituído por 500 diapositivos, muitos deles utilizados na conceção do livro “Penacova”. Para assinalar esse gesto, a autarquia assinou, em agosto de 2013, um protocolo de doação, assim como a inauguração de uma exposição com trabalhos seus, alguns deles premiados a nível nacional e internacional.
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