PINTURA: A Ferreirinha, Eugénio Moreira e o Vale de Penacova
![]() |
A Ferreirinha, quadro de Eugénio Moreira |
O quadro Vale de Penacova constitui, segundo os especialistas em
pintura, um dos melhores trabalhos de Eugénio Moreira. A sua obra insere-se no conjunto dos pintores de segunda geração
naturalista, onde se destacam nomes como
Roque Gameiro e Aurélia de Souza. A Ferreirinha e Auto-Retrato são outras das obras mais representativas deste pintor que, na sua curta existência, se
cruzou com as gentes e com as paisagens de Penacova.
Eugénio Moreira, um nome, porventura esquecido dos
penacovenses, apesar de
pontualmente recordado. Em 1997
por Martins da Costa no Jornal de Penacova e em 2013 por Leitão Couto e David
Almeida no livro Patrimónios de Penacova. O “site” da Câmara também o refere, mas sem grande relevo, na rubrica “Gente
com História”.
Segundo Martins da Costa, Eugénio Moreira realizou aqui "uma boa parte da sua obra, hoje quase desconhecida, não obstante o
valor que lhe era reconhecido, sobretudo nos meios artísticos. E por aqui se
perdeu também [essa obra], mal acautelada que foi”.
Os trabalhos de Eugénio Moreira estarão dispersos pelo país e alguns permanecerão ainda em Penacova. É Martins da Costa que diz, na referida crónica,
ser do seu conhecimento um quadro que estaria no Gabinete da Presidência da
Câmara, um retrato que lhe passou pelo atelier para restauro e uma paisagem que
pertenceria a uma pessoa de Penacova. Pelo que nos é dado saber, na Câmara
existe um quadro sim, mas de José Campas, representando o Mirante. Quanto ao
retrato “admiravelmente bem pintado, que terá sido pessoa importante na época”
talvez seja aquele que referimos na obra Patrimónios de Penacova. Recordámos aí que na sessão da Câmara de 18 de Maio de 1907, por
ocasião do "primeiro aniversário do falecimento do Conselheiro Artur
Ubaldo Correia Leitão", foi decidido colocar o retrato desta figura
penacovense na Sala de Sessões. Retrato que "fora feito a óleo pelo
notável pintor Eugénio Moreira, residente nesta Vila", conforme se escreve nos documentos referentes ao assunto. Quanto ao outro quadro
referido por Martins da Costa pensamos que poderá ser uma obra que conhecemos, datada de
1906, representando a Barca do Concelho.
![]() |
Vale de Penacova, pintura de Eugénio Moreira |
Não restam pois dúvidas que
Eugénio Moreira passou longos tempos em Penacova. Morreu em 1913, com apenas
42 anos, vítima de tuberculose e também de demência. A sua ligação a Penacova
fica também marcada pela existência de um tal Guilherme, seu filho, que terá
tido uma vida curta e infeliz, corroída pelo vício e pela miséria. Terá sido fruto da relação do pintor com uma jovem
solteira da vila ou arredores. Nesse sentido, é também Martins da Costa que escreve: ”De
um dos seus quadros mais divulgados “uma formosa camponesa” e dos amores a que
ela devem estar ligados, nasceu a obra e esse filho também."
Voltemos aos dois quadros
emblemáticos do pintor. Sobre “A Ferreirinha” e sobre a
paisagem envolvente, escreveu Antero de Figueiredo: “Aqui pintou o quadro A
Ferreirinha, que é o retrato de uma rapariga do campo, ingénua e triste. Está
sentada numa pedra, ao ar livre, à luz de uma tarde outonal. Veste simples
blusa encarnada, saia azul, e tem na cabeça, atado nos cabelos, um lenço
vermelho escuro, com pintas amarelas de ouro velho. Olha com franqueza para
quem a olha, e as mãos, postas uma na outra, caem no regaço, abandonadas e
despidas de outra graça que não seja a da sua naturalidade.
O fundo do quadro são árvores de
verde quási sem luz, um curto vale com manchas de casas e tons vermelhos de
urze seca, a tira do rio e uma nesga de céu alto e alegre. (...) No olhar dessa
rapariga há a tristeza suave dos cinzentos olivais beirões ; e nas curvas do
seu calado corpo de cachopinha solteira, que vestidos baratos honradamente
resguardam, as mesmas graças singelas desse estreito rio de poucas águas,
fiando satisfeito por entre areiinhas de ouro."
Ao quadro “Vale de Penacova” dedicou Abel
Salazar, em 1955 um opúsculo ilustrado com quinze páginas, separata de "O
Tripeiro", onde afirma que se trata de “uma das raras obras de pintura
portuguesa moderna”. Para ele, “o malogrado autor de “Vale” é, com
Henrique Pousão, o maior dos paisagistas portugueses. Entre os dois existem
diferenças na qualidade, não em valorização: são duas visões, porém igualmente
elevadas”.
Eugénio Moreira foi homenageado
postumamente numa exposição organizada pelo seu sobrinho, Fernando Ferrão
Moreira, no Ateneu Comercial do Porto em 1956. O Museu Nacional de Soares dos
Reis possui três telas da sua autoria:
um auto-retrato inacabado, onde o pintor se representa a meio-corpo, com paleta
e pincéis e rosto entristecido; e as suas duas obras mais elogiadas: a paisagem
Vale de Penacova, obra patente na Grande Exposição do Norte de Portugal de 1933
e na 1.ª Exposição de Arte Retrospectiva (1880-1933) da Sociedade Nacional de
Belas Artes em 1937; e o retrato A Ferreirinha exposto em Lisboa, em 1937.
Fazemos nossas as palavras de
Martins da Costa, outro pintor quase esquecido (esperamos seja recordado
condignamente muito em breve, passado
que já foi o 10º aniversário da sua morte) mas importantíssimo no panorama
cultural de Penacova:
“Eugénio Moreira, a quem Penacova tanto ficou a dever, na
divulgação das suas belezas naturais, bem merece a singela homenagem que aqui
lhe tributamos.”
David Gonçalves de Almeida