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LORVÃO - O Mosteiro que guarda tesouros

Túmulos em prata de duas netas de D. Afonso Henriques são alguns dos tesouros do Mosteiro de Lorvão. Muito mais poderia haver, não fosse a lei que extinguiu as ordens religiosas e levou as monjas do Mosteiro a passar da opulência à fome.


Mosteiro de Santa Maria do Lorvão fica no concelho de Penacova num vale cercado de serras e só a  igreja monumental é que escapou ao desgaste do tempo, das guerras e das lutas religiosas e políticas.
O mosteiro era de monjas da alta nobreza, foi uma das casas mais ricas do reino e o tempo de abundância e riqueza terminou em 1834. Nessa altura, Alexandre Herculano visitou o Mosteiro e escreveu uma carta a um amigo, com influência política, a chamar a atenção para "o mosteiro sumptuoso, vasto, alvejante, com um aspecto exterior quasi indicando opulência, é que não há pão, mas só lagrymas".
O mosteiro terá sido construído em 547 e uma pedra ornamental visigótica que está na Sala do Capítulo ajuda a argumentar neste sentido e a colocar Lorvão como um dos mais antigos mosteiros em toda a Europa.
Na igreja celebra-se missa todos os domingos e é também um espaço museológico que é visitado diariamente. O mosteiro, onde dormiam as monjas, foi até 2012 hospital psiquiátrico.

Um desgosto de amor deu origem ao mosteiro feminino

Os maiores tesouros da igreja são os túmulos de prata de Santa Teresa e Santa Sancha, netas de D. Afonso Henriques. Foram feitos por um ourives do Porto em 1715.
Teresa casou com Afonso IX de Leão, teve filhos, mas o Papa anulou o casamento por serem primos direitos. Foi o “desgosto de amor” que a fez regressar a Portugal e fundou aqui o primeiro mosteiro feminino da Ordem de Cister.
Quando da chegada de Teresa, o mosteiro estava ocupado por beneditinos que recorreram ao Papa mas não tiveram a graça papal.
Em 1211, as monjas ocuparam o mosteiro. Por sua vez, Sancha fundou o mosteiro de Celas, em Coimbra, e a terceira filha de Sancho I, Mafalda, fundou o de Arouca.


Após a morte de Sancha, Teresa ordenou a vinda do corpo para o Lorvão. Em 1715, as duas foram beatificadas pelo Papa Clemente e os corpos trasladados para o interior da igreja. Os túmulos estão junto do altar-mor. Um de cada lado.


Nesta altura, o mosteiro ainda vivia tempos de abundância e a velha igreja beneditina foi reconstruída ao estilo do palácio de Mafra, por um arquiteto que trabalhou nos dois projetos. É esta estrutura que se mantém até aos dias de hoje tendo sido sujeita a profundas obras de renovação em meados do séc. XX e mais, recentemente, pelo Instituto Português do Património Arquitetónico (IPPAR).

O coro-baixo com cadeiral de jacarandá

Com a beatificação de Teresa e Sancha e com a fama de Lorvão, surgiram muitos peregrinos, o que originou uma particularidade nesta igreja.


Clausura é clausura e as monjas não podiam ter contato com os visitantes. Foi então construída a grade de ferro com ornamentos de bronze dourado que separa a igreja do coro-baixo que fazia a ligação ao mosteiro e que resguardava as monjas. Para maior resguardo, havia ainda uma cortina.


No coro-baixo há um cadeiral enorme feito de jacarandá e nogueira e decorado com figuras de santos.

Dizem que “é o mais espetacular cadeiral português e o mais magistral, sob o ponto de vista técnico”. Levou cinco anos a construir e o que sobreviveu de um incêndio encontra-se ainda em bom estado. Tentaram reconstruir as 11 cadeiras que arderam mas desistiram da tarefa porque o resultado ficava longe do original.


Ao lado, há uma estátua com um santo e uma criança com um sapo na boca, algo fora do comum na estatuária religiosa. Num dos altares do Coro está a imagem de Nossa Senhora da Vida, do séc. XIV.
Há várias pinturas mas o ambiente é de serenidade com a luz a entrar do lado do Coro e ao final do dia dá uma luminosidade suave a toda a igreja.

Órgão com sonoridade diferente para as monjas


A grade não fazia apenas a separação física entre as monjas e os restantes devotos. Também fazia uma distinção acústica.
Tem duas saídas de som diferentes, com produção acústica também diferentenos dois espaços e é caso único em Portugal.
O órgão é do séc. XVIII e é usado com muita frequência nas missas de domingo.


Os visitantes podem ainda conhecer a Sacristia, a Sala do Tesouro, a Sala do Capítulo e os Claustros.
Em alguns destes espaços estão a ser recuperados várias obras de arte e noutros estão guardados alguns objetos, como por exemplo um bonito realejo.


O património do Mosteiro era muito maior. Algum está disperso por váriosmuseus. Por exemplo, Alexandre Herculano conseguiu preservar na Torre do Tombo algumas obras com iluminuras medievais que eram ainda dos monges beneditinos. Uma delas, “O Apocalipse do Lorvão”, com as suas 66 gravuras foi classificado pela UNESCO “Memória do Mundo” e é referida como talvez a primeira obra-prima da arte portuguesa

Da opulência à fome

Muitas outras peças estão desaparecidas ou foram destruídas com o abandono do Mosteiro.
Após a reformulação da igreja, com a construção de novas estruturas, no séc. XVII, o Mosteiro de Lorvão teve a sorte de os militares franceses terem passado no alto das montanhas.


O Mosteiro não foi saqueado e a Casa dos Padres até alojou por duas noites, em Setembro de 1810, o Duque de Wellington que seguia para o Bussaco onde derrotou as tropas de Massena.


A hecatombe surgiu 24 anos depois. Foi em 1834, com a extinção das ordens religiosas. Cessaram os donativos e os rendimentos, as monjas foram vendendo património mas, conforme conta Alexandre Herculano em 1853:
"Deste mosteiro melancholico e mal-assombrado como as montanhas abruptas que o rodeiam por todos os lados: escrevo-lhe com o coração apertado de dó e repassado de indignação. (…) Lá dentro, nesses corredores húmidos e sombrios, vi passar ao pé de mim muitos vultos, cujas faces eram pallidas, cujos cabellos eram brancos. Esses cabellos nem todos os destinguiu o decurso dos annos: a amargura embranqueceu os mais delles. Quasi todas essas faces tem-nas empallidecido a fome.
Morrem aqui lentamente umas poucas de mulheres, fechadas n’uma tumba de pedra e ferro. (…) Imagine dezoito ou vinte mulheres idosas, mettidas entre quatro paredes húmidas e regeladas, sem agasalho, sem lume para se aquecerem, sem pão para se alimentarem, sem energia na alma, e sem forças no corpo, comparando o passado, sentindo o presente e antevendo o futuro".


Em 1887, morreu a última monja, Luisa Tondela, e o Mosteiro passou para a Junta de Freguesia. Uma parte significativa foi destruída, saqueada e vandalizada. Ocuparam, venderam e deixaram em ruína.
O primeiro passo para a preservação do Mosteiro foi dado em 1910 com a classificação como Monumento Nacional e em 1943 começaram as obras de renovação. Em 1959, a parte do Mosteiro é adaptada a hospital psiquiátrico que esteve a funcionar até 2012.


Tem havido alguns projetos de renovação do Mosteiro e da zona circundante.
Na visita ao Mosteiro, não deixe visitar algumas pastelarias vizinhas para provar (pelo menos) uma doçaria conventual que teve origem aqui: os pastéis de Lorvão.



Lorvão: o mosteiro que guarda tesouros faz parte do podcast semanal da Antena1, Vou Ali e Já Venho, e pode ouvir aqui.
A emissão deste episódio, Lorvão: o mosteiro que guarda tesouros, pode ouvir aqui.
O vídeo em que Mara Oliveira descreve toda a riqueza do Mosteiro pode ser visto aqui


Texto e fotos originalmente publicados em Sapo Viagens

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