DEPENDÊNCIAS - Hospitalizações psiquiátricas associadas a canábis cresceram quase 30 vezes em 15 anos
As hospitalizações por surto psicótico ou esquizofrenia
em pacientes que têm consumos de canábis registados aumentaram quase 30 vezes
no espaço de 15 anos, em Portugal, revela um trabalho da Universidade do Porto
divulgado esta sexta-feira.
O trabalho, a que a Lusa teve acesso esta sexta-feira, e
publicado no International Journal of Methods in Psychiatric Research, analisou
as hospitalizações registadas em todos os hospitais públicos de Portugal
continental, entre 2000 e 2015.
No total, a equipa de investigadores da Faculdade de
Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e do CINTESIS -- Centro de
Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde registou 3.233 hospitalizações,
que oscilaram entre os 20 internamentos registados em 2.000 e os 588 internamentos
identificados em 2015.
"Se considerarmos todas as hospitalizações por surto
psicótico ou esquizofrenia, concluímos que, em 2015, mais de 10% desses casos
correspondiam a pacientes com um diagnóstico secundário de consumo de canábis,
enquanto que, em 2000, não chegavam a 1%", explicou à Lusa Manuel
Gonçalves-Pinho, médico, investigador do CINTESIS e autor deste trabalho.
Os resultados revelam que em 90% dos casos os pacientes
eram do sexo masculino, tendo, em média, 30 anos de idade.
Segundo o investigador, nos doentes em geral, sem
indicação de consumo de canábis, a média de internamento por surto psicótico e
esquizofrenia situa-se nos 42 anos, mas "é necessário avaliar se o uso
desta substância psicoativa não estará a iniciar precocemente este tipo de
perturbações mentais".
O estudo revela que 3,3% dos casos registados dizem
respeito a pacientes com 18 anos ou menos
O risco também varia muito consoante as faixas etárias. Em idades mais jovens, o potencial de risco é superior porque as redes neuronais ainda estão em desenvolvimento e, portanto, estão mais suscetíveis a serem influenciadas por fatores extrínsecos.
Apesar de os resultados evidenciarem um exponencial
crescimento do número de entradas nos hospitais por surto psicótico ou
esquizofrenia em associação com o uso de canábis, a equipa de investigação
interpreta os números com cautela.
"Atualmente,
os registos hospitalares são mais rigorosos e o diagnóstico secundário de
consumo de canábis é codificado de forma mais completa", sublinhou
Manuel Gonçalves-Pinho, ressalvando que os dados merecem, contudo, a maior
atenção por parte dos decisores em matéria de saúde pública.
O estudo revelou ainda que, no total, as hospitalizações
custaram 11,3 milhões de euros ao Estado, numa média de 3.500 euros e 19 dias
de internamento por cada episódio.
"São custos
elevados e tempos de internamento longos, que denotam a gravidade dos episódios
psicóticos", considerou o investigador.
Descriminalizada desde 2001, em Portugal, a canábis é uma
das drogas mais usadas para fins recreativos, sendo-lhe também reconhecido
potencial terapêutico.
Manuel Gonçalves-Pinho explicou que o principal composto
psicoativo da canábis, o THC (tetrahidrocanabinol), que existe apenas em doses
residuais nos medicamentos à base desta planta -- tem a capacidade de
influenciar áreas do cérebro responsáveis pela cognição, perceção, ansiedade,
medo, memória e gratificação.
Este estudo foi o primeiro em termos nacionais e internacionais a descrever a verdadeira realidade dos internamentos psicóticos, associados com o consumo de canabinoides em Portugal. A grande vantagem é que, de facto, tem todas as hospitalizações que aconteceram em Portugal nos hospitais públicos portugueses e, portanto, tem uma grande abrangência e representatividade na nossa população
Além de Manuel Gonçalves-Pinho, estudo contou com a
participação de Miguel Bragança, psiquiatra e investigador da FMUP, e Alberto
Freitas, investigador na área da Análise de Dados do CINTESIS e professor da
FMUP.
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