Últimas Notícias

REFLEXÕES - Sobre fim e novo ou finalidades e novidades


Fins de dezembros é invariável e renovadamente tempo de rever o ano. O exercício pode ser incoerente e redundante, mas o risco é calculado. Avaliar as avaliações, se quiserem.

Elencar a síntese do ano não constitui um exercício acrítico, neutro e factual. É, antes, interpretativo e pessoal. Simplificando bastante a dialética, dizer ‘síntese’ necessita da pergunta pelas teses e do perscrutar das antíteses. Como as respostas carecem de perguntas. Até aqui, parece não haver problema. Este surge, todavia, quando a síntese se apresenta como dogmática, ‘pensamento único’, ‘verdade absoluta’, auto-rotulada de discurso sobre a realidade, descrevendo-a simplesmente como ela é. Em regra, aparecem profecias, ora catastróficas, ora desencarnadas, e lugares ‘registados’ como cátedras com o carisma da síntese ou a síntese dos carismas, doutrinando, gerando opinião, arrebanhando os concordantes e marginalizando os dissidentes. A consciência do nosso identitário grau parcial de relatividade, do nosso situacionismo de circunscrição geográfica, da nossa insuficiência original, em paralelo com a nossa criatividade a tender para o absoluto, a nossa escala rompida em direção ao cósmico, a nossa capacidade de partilhar e acolher riquezas individuais seriam todo um programa. Para mais, se dito, vivido, avaliado e acrescentado nos espaços públicos próprios…

Chegar ao fim do ano é um desafio espontâneo a revisitar os meios que até aqui nos conduziram, até porque não há ‘finalmentes’ sem ‘entretantos’. Mas o fim pode igualmente ser escutado como finalidade e, aí onde essa pergunta ecoa, a reflexão ganha densidade. Passa a ser o Sentido que está em causa, com maiúscula. E novamente as motivações, as razões de ser, o alicerce humano e ético voltam a preencher a reflexão e a conferir-lhe exigência. E o Bem, a Bondade, como a Verdade e a Beleza, não são aprisionáveis por qualquer instituição, credo ou ideologia. Muitas vezes, parece que fazemos depender as avaliações dos acontecimentos dos seus protagonistas, diabolizando umas origens e canonizando outras. Trata-se, ao invés, de perguntar se humaniza, se torna humanas as pessoas, as instituições, as crenças, as ideologias. Se sim, venha donde vier, o reconhecimento é dever de justiça. É um bom fim. O ponto não é viver a partir do paradigma da unanimidade, mas afirmar que a vida comunitária saudável carece de um mínimo de consensualidade, que, para ter fundamentação última e alcance longo, nascerá certamente do contraditório. O fim será a alavanca para prosseguir, mas caminhando a partir do andado, dizer, encadeado no dito, ser, motivado pelo sido.

Pensar o [ano] novo é oportunidade para refletir a novidade e os novos [pessoas novas, diferentes]. Frequentemente, a novidade é bem acolhida como ideal retórico e romântico, como possibilidade teórica, circunscrita ao domínio de declaração de intenção, mas nem tanto como mudança concreta, de paradigmas e comportamentos, que implique com o nosso estilo estabelecido de vida. Menos fácil ainda é, por norma, lidar com os diferentes, os que aparecem de novo [de fora], perturbadores da instituída e desejada serenidade. Numa ditadura do idêntico, o novo é pensado espontaneamente a partir do mesmo, como uma rutura em relação ao tradicional. Nem tanto como algo com riqueza intrínseca, capaz de acrescentar valor ao de sempre, ao habitual. Habituamo-nos a uma paz social sustentada pela confortável ausência de ‘guerra’, ancorados num diálogo cujas conclusões brotam dos silêncios cómodos e projetados para um cenário futuro em que nos contentamos com menos que o possível, em razão de um condenatório fatalismo que alguém terá tido interesse em chamar inevitabilidade. O novo valerá sempre a pena, não como eternização do melhor presente acontecido, mas enquanto antecipação do melhor futuro por ser. E nós, a par com dificuldades, temos todas as possibilidades de ser os protagonistas.

Bom fim. O melhor novo possível.

Sem comentários


Leia as regras:

1 - Os comentários ofensivos não serão publicados.
2 - Os comentários apenas refletem a opinião dos seus autores.