ENTREVISTA - Ana Abrunhosa, Ministra da Coesão, “O ministério foi feito um bocadinho à minha medida”
A nova ministra da Coesão, chamada ao Governo por António
Costa em Outubro, acredita que o ministério foi desenhado para o seu perfil. E
acha que as autarquias deviam passar para as suas mãos também. Entrevista
exclusiva ao Expresso
Não tem placa
à porta e à entrada ainda se lê “Ministério da Agricultura”. O gabinete
da Coesão Territorial é reduzido, mas Ana Abrunhosa está feliz: “Sinto, e
penso que não é vaidade, que este ministério foi um bocadinho pensado para
alguém com o meu perfil.” A governante que mais surpreendeu nas escolhas do
primeiro-ministro nasceu em Angola, cresceu no interior e chegou ao Governo aos
50 anos, depois de ter sido presidente da Comissão de Coordenação Regional —
Centro (CCDRC). Antes de se ter aproximado do PS — “sou António Costa”, diz —
foi nomeada pelo PSD para a CCDR, candidata nas listas laranja à Assembleia
Municipal de Mêda e frequentou a festa do Pontal. Defende a “gestão do
declínio” de territórios, onde a perda de população é irreversível, mas
onde a qualidade de vida é melhor.
Quando
soube que ia ser ministra?
Poucos dias antes de o
primeiro-ministro ter comunicado ao Presidente da República. Ligou-me e
perguntei-lhe que mal lhe tinha feito, e ele respondeu que não era tão grande
como aquele que me ia fazer. Fiquei surpreendida, porque não tenho carreira
política.
Pôs
condições?
Não.
Aceitou
às cegas?
Não, porque o primeiro-ministro disse
qual era a missão: estava muito preocupado com a execução dos fundos dos
programas operacionais regionais. Pediu que acelerasse a execução, uma vez que
o Ministério do Planeamento e o Ministério dos Negócios Estrangeiros estão
muito focados na negociação do próximo quadro comunitário. Disse-me que era
muito importante ter alguém a trabalhar no terreno diariamente com os atores e
com os beneficiários. O convite foi esclarecedor, para não ter dúvidas de que
iria ter condições para desempenhar as funções.
Um
mês antes de ser ministra, escreveu um artigo no “Público” a dizer que havia
territórios onde era impossível recuperar população e atividade económica e
falou em “gerir o declínio”. Que territórios vai agora a ministra da Coesão
Territorial dizer que não é possível recuperar?
Voltaria a escrever o artigo e não é
preciso dizer, porque os territórios estão lá. Temos aldeias sem população e
outras sem atividade económica. O que escrevi é a constatação da realidade.
Não
há nada a fazer?
Claro que há. É preciso que quem lá
está tenha acesso a todos os bens que toda a população tem: ao lazer, à
cultura, à saúde, à educação. Seria, no mínimo, desonesto não dizer que o que
escrevi é verdade. As pessoas têm consciência. Não termos pessoas ou atividade
económica não significa ausência do Estado a fornecer os bens essenciais ou a
garantir que os privados os forneçam.
De
que aldeias ou concelhos estamos a falar?
De Mêda, de onde sou e que conheço.
Sei que ali é muito difícil recuperar população, mas é um exemplo de outros
locais onde o centro de saúde funciona lindamente. Ou de Gavião, que perdeu 30%
da população nos últimos anos mas tem acesso à Saúde, ao cinema...
Gerir
o declínio é esperar que estes locais se extingam?
Não, é uma teoria económica dos anos
70 que fala dos limites do crescimento. Corresponde a uma abordagem da UE, que
passa por garantir qualidade de vida a quem permanece nesses territórios. Não
significa baixar os braços.
Gerir
o declínio passa por escolher onde serão feitos investimentos?
Não. Mas isso não significa
multiplicar as infraestruturas. Não precisamos de ter um tribunal em cada
local. Temos de ter um equilíbrio territorial e, sobretudo, as pessoas têm de
ter acesso aos serviços. Os serviços têm de ir às pessoas, com viaturas móveis
de saúde, por exemplo.
Um
pequeno ministério consegue fazer isso tudo?
Não. O Ministério da Coesão
Territorial tem à sua disposição cerca de €10 mil milhões de fundos europeus
para investir. Temos de nos articular com os outros ministérios para garantir
que a política pública é integrada. Transmiti ao primeiro-ministro o meu
conceito de coesão territorial, que passa pela garantia do acesso aos serviços
e pela redução dos custos de contexto. Não estou a negar os problemas do
interior, mas vive-se muito melhor no interior do que há cinco ou dez anos.
Não se transforma na secretária de Estado dos outros ministros?
E se for? Não há mal nenhum. Os
ministros precisam todos de mim porque tenho o dinheiro dos programas
operacionais. Os vários sectores do Governo devem pensar o território através
deste ministério. Eu, para lançar qualquer medida, tenho de articular com os
meus colegas. Foi o que fiz enquanto presidente da CCDR. Significa partilhar
poder e tomar decisões em conjunto, o que obriga a ouvir as pessoas no terreno.
E a diferença é que quando a ministra da Saúde vai, ouve as pessoas sobre a área
dela; quando eu vou, falam-me de tudo. É uma nova forma de fazer política. Não
interessa quem vai à conferência de imprensa. Mas não posso resolver tudo.
Qual
é o seu trabalho? Evitar que as pessoas saiam do interior ou levá-las?
As duas situações são possíveis. É
mais fácil levar pessoas para o interior do que empresas. Há uma perceção
errada do que é o interior, e garanto que com metade do salário as pessoas têm
o dobro da qualidade de vida.
Tem
uma secretária de Estado em Bragança. O que a torna mais próxima dos problemas
de Mértola ou de Manteigas só por estar lá?
Porque não há de estar lá? O que ela
demora no trajeto até Bragança é o mesmo que demora das portagens ao Terreiro
do Paço. Ela atende as pessoas do centro para cima. No resto de país ela vai
ter com as pessoas.
Fica
mais complicado e mais caro...
Porquê? Ela vai de avião, até sai mais
barato... com as portagens, faça as contas. É baratíssimo e muito mais
confortável. Porque não pode um governante trabalhar perto de casa?
Então,
uma boa solução era os ministros andarem todos de avião?
Muitas vezes não há essa
possibilidade.
Foi
convidada para este ministério como prémio pela sua atuação nos incêndios na
CCDRC?
Não. Só fiz a minha obrigação. Os
incêndios foram a oportunidade de o primeiro-ministro conhecer melhor a cidadã
e a gestora Ana Abrunhosa. Quem não está na vida pública de corpo e alma, o
melhor é mudar de vida. Mesmo que signifique trabalhar noite e dia e prejudicar
a família.
Ele
poderia ter convidado outra pessoa?
Sinto e penso que não é vaidade que
este ministério foi um bocadinho pensado para alguém com o meu perfil.
Foi
feito à sua medida?
Um bocadinho. Mas não quero ter essa
vaidade.
É
vaidade ou constatação de trabalho feito?
Como ajudei a reconstruir 500 empresas
e 800 casas depois dos incêndios de outubro? Não foi só a CCDRC que fez isto.
Tivemos de articular com o Governo. Fui muito chata até com o
primeiro-ministro, mas tive sempre a resposta que pretendia. O ministro Nélson
Sousa, então secretário de Estado, conseguiu um milagre: aumentar o orçamento
em €60 milhões de uma sexta para uma terça-feira.
Conseguiu
porque o chateou?
Claro! Porque eu disse que ia andar no
terreno, ia dar a cara, mas precisava de condições. Cheguei a estar em
auditórios com 300 pessoas que perderam tudo, não só as suas casas mas também
os seus empregos, e eu era a voz e a cara do Governo. E muitas vezes as coisas
não correram bem.
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