OPINIÃO - Magister Dixit
Foi recentemente publicado, no Observador, um artigo de opinião de um
especialista sobre o estado da pandemia da COVID-19 em Portugal.
O autor, de seu nome Pedro, refere de forma categórica que Portugal é um dos países mais perigosos do mundo para se estar nesta pandemia. Isto é, segundo ele, uma “visão factual epidemiológica”.
O autor, de seu nome Pedro, refere de forma categórica que Portugal é um dos países mais perigosos do mundo para se estar nesta pandemia. Isto é, segundo ele, uma “visão factual epidemiológica”.
Sem deixar o leitor respirar, o autor puxa dos galões: é fármaco-epidemiologista,
formado nas mais famosas Escolas do mundo e com um currículo recheado. Não há
margem para dúvidas, se há alguém que percebe de pandemias, é ele.
Devo ressalvar que não há um pingo de sarcasmo na minha última frase. Numa
altura em que a desinformação é uma praga quase tão grande como o próprio vírus
e em que toda a gente é especialista em tudo, o surgimento de uma figura com um
currículo académico tão impressionante deve merecer especial atenção. Pelo
respeito que tenho pela opinião de verdadeiros especialistas, foi com grandes
expectativas que fiz a leitura deste artigo. Infelizmente, as minhas
expectativas foram sendo substituídas por incredulidade à medida que percorri o
texto.
O autor começa por afirmar que Portugal é um
dos piores países do mundo em número de casos confirmados de doentes infectados
com COVID-19 por milhão de habitantes, estabelecendo paralelismos com Itália,
Estados Unidos ou França, indicando que a generalidade dos países europeus e a
maioria dos quase 200 países do mundo têm menos infectados confirmados.
Acrescenta ainda que Portugal apresenta uma das maiores taxas de mortalidade
por milhão de habitantes.
Não deixa de ser irónico que alguém que refere
duas vezes o seu recheado currículo no mesmo texto, não saiba escolher as
variáveis correctas. Analisar o número de casos por milhão de habitantes não é
representativo, pelo menos, até a epidemia estar espalhada de maneira uniforme
ou ter corrido o seu termo.
Para ter uma ideia de quão errado é avaliar a
letalidade do vírus pela razão entre óbitos e milhões de habitantes, analisemos
o caso da China. A China tem 82.341 casos confimados e 3.342 mortes.* No
entanto, se dividirmos estes números por milhão de habitantes, reparamos que a
China tem apenas 52 casos confirmados e 2 mortos por milhão de habitantes. Isto
acontece porque a China é o país mais populoso do mundo, ou seja, ao usar esta
lógica, os países com maior população parecerão sempre estar a lidar melhor com
a doença. Por outro lado, se olharmos a países com um número de habitantes
muito reduzido, como San Marino ou Luxemburgo, reparamos que os números de
infectados e mortos por milhão de habitantes são, obviamente, altíssimos,
criando a ilusão de que esses países estão a ter maiores dificuldades.
A evolução da transmissão viral não está
relacionada com a população total, mas antes com o acesso imediato a uma
população susceptível a infecção. É por isso que se dá particular atenção ao
número de novos casos diários e, consequentemente, ao número de testes
efectuados. Logo, a estatística que espelha com rigor o grau de letalidade do
vírus é a que resulta da relação entre o número de mortes e o número de
infectados.
O remanescente do texto é igualmente lamentável, mas por razões distintas.
O autor traça um ataque a todos aqueles que não partilham desta sua visão
distorcida, acusando a imprensa de ludibriar os portugueses com “notícias
falsas” em conluio com e para benefício do Governo. Neste âmbito, aponta o dedo
particularmente ao Grupo Impresa e ao New York Times (que acusa de estar
comprometido ideologicamente).
Não é difícil desmontar a acusação. Se o
Governo quisesse apresentar melhores números por milhão de habitantes,
bastava-lhe seguir o exemplo do Brasil e fazer poucos testes (apenas 296 testes
efectuados por milhão de habitantes). Logicamente, quantos menos testes por
milhão de habitantes forem feitos, melhores serão os resultados. Em comparação,
Portugal tem 20.430 testes efectuados por milhão de habitantes, um dos números
mais altos do mundo, especialmente se excluirmos micro-Estados.
Resta perceber o que motivou este ataque. Infelizmente,
bastou uma curta pesquisa no Google para perceber onde estão as lealdades do
Pedro e encontrar a explicação: razões políticas. O Pedro era um leal seguidor
de António José Seguro, e a forma como António Costa ganhou o poder dentro do
Partido Socialista ficou-lhe atravessada na garganta até hoje.
Confesso que este artigo me deixou
particularmente afectado, o que me impulsionou a voltar a escrever. A maior
fonte da minha consternação é o facto de que o autor é uma figura de autoridade
na matéria, e como tal tem responsabilidades acrescidas quando se pronuncia
sobre ela. Adicionalmente, e como aqui demonstrei, o autor não pode, em caso
algum, não saber que as conclusões de que perfilha são falaciosas. Isto sim, é
uma visão factual epidemiológica.
Estamos perante um caso clássico de alguém que
usa da sua autoridade para induzir deliberadamente os mais incautos em erro. E
é difícil descer mais baixo do que isso.
Magister dixit, ergo verum est.
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