OPINIÃO - Teletrabalho: e se o direito vira obrigação?
Estamos a ultrapassar uma fase das relações laborais em que
o teletrabalho foi constituído como direito dos trabalhadores.
Esse direito foi imposto às empresas “por decreto”, como
costuma dizer-se de tudo o que tem unilateralismo na decisão.
E os trabalhadores, abalados por uma situação pandémica
inesperada, reinvindicaram o cumprimento desse seu “direito novo”, muitas vezes
sem saberem bem no que se estavam a meter.
Imaginem que eu próprio, enquanto agente activo de
negociação colectiva, comecei a discutir teletrabalho em 1985!
E pensem bem, por favor, porque é que tal modalidade da
prestação laboral nunca avançou (ou viu a luz do dia) nas relações laborais em
Portugal, de um modo consequente?
Vejamos,
O Código do Trabalho, na sua versão original (2003) e na sua
Exposição de Motivos, em III. Adaptação a
situações actuais, fixava b) Introdução de normas relativas a teletrabalho.
E essa introdução constou, de facto, dos art. 233 e
seguintes.
Da noção considerava-se teletrabalho “a prestação laboral
realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa do
empregador e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação”.
Convém aqui referir que o estabelecimento no CT do conceito
jurídico “com subordinação jurídica” pretendia separar e mesmo contrariar um
outro regime aí existente (plasmado no art. 13, do CT) e regulado no seu Regulamento,
perdoe-se o pleonasmo, designado como “trabalho no domicílio”, que referia a possibilidade
de os trabalhadores prestarem a sua obrigação laboral em casa (domicílio) mas sem
subordinação jurídica.
Convém, também, referir aqui que, no trabalho no domicílio
(vi. art. 15, do Regulamento) o beneficiário da actividade devia respeitar a
privacidade do trabalhador e os tempos de descanso e de repouso do agregado
familiar.
Tudo isto tendo presente, ainda, que, nos termos do art. 20,
do mesmo CT, o empregador não podia utilizar meios de vigilância a distância no
local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com
finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
TRATANDO-SE, POIS, DE HISTÓRIA DO MOVIMENTO OPERÁRIO -que eu
tenho o privilégio de acompanhar desde 1973- seria bom que as pessoas, de um
modo geral e os adeptos do teletrabalho, em particular, percebessem que se o
teletrabalho ainda não existe com a consequência de modalidade generalizada da
prestação laboral, no nosso País, é porque a Concertacão Social não ganhou condições
para se estabelecerem compatibilidades nos interesses das partes: Trabalhadores
e Entidades Patronais!
Ou seja, se o regime de prestação existe (vd. tb.art.103, do
CT) e se não tem sido adoptado com generalização é porque as partes ainda não
conseguiram limar as arestas relativas a: formalidades; liberdade contratual; igualdade
de tratamento; privacidade; instrumentos de trabalho; Segurança, higiene e
saúde no trabalho; período normal de trabalho; isenção de horário de trabalho e
deveres secundários.
Por acréscimo às situações já referidas acima da
subordinação jurídica, do respeito da privacidade e da utilização de meios de
vigilância a distância.
Portanto,
Eu estou muito espectante no que se refere à prevalência
deste anormal “direito novo” no panorama do Direito Laboral; estou muito
espectante relativamente ao modo como o Governo vai sair desta embrulhada; e
estou muito preocupado com os trabalhadores que foram empurrados para esta
situação -de cuja abrangência/consequência nada conhecem- porque, agora, serão
as entidades patronais a dizer (ao Governo, aos Sindicatos e aos Trabalhadores):
então se é um direito instituído unilateralmente, porquê sustê-lo, porque não
continuá-lo?
Na minha opinião trata-se de um presente envenenado aos
trabalhadores portugueses que, sem darem por isso, se colocaram, a pedido, a
ser dependentes de quem controla gere e dá o trabalho, a ser vigiados à
distância, abrindo, também, a sua privacidade e bem assim a da sua família, com
períodos de trabalho exacerbados.
O que era proibido passou a ser dado às entidades patronais
que, seguidamente, vão querer mais!
Luís Pais Amante
Excelente artigo de opinião, por demonstrar as relevantes fragilidades dos trabalhadores em regime de teletrabalho, nomeadamente no que respeita à jornada de trabalho e à protecção da privacidade da sua vida intima e privada. É de facto uma situação preocupante que, certamente, num futuro próximo levantará uma nova problemática laboral.
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