OPINIÃO - Votos para 2017

O que torna os locais únicos e, por essa razão, cheios de personalidade, são as suas particularidades que não têm a ver com sobrevivência do dia-a-dia. Aquilo que existe e que até poderia nem existir. Há quem lhe chame património imaterial; que não se vê, que não é “útil”, mas que sabemos estar lá. Traduzível em várias linguagens. Seja a verbal ou através de outras que não usam as palavras. Sem isso tornamo-nos todos mais iguais e sem diferenças e portanto menos ricos.

Há mais de uma década, saí da terra onde nasci por achar que nunca iria ali encontrar concretização do que anseio como pessoa, não por o sítio não ter muitos ingredientes para isso. Tem e muitos! Mas sim porque ao dizê-lo ou nem sequer ouviam ou nem sequer sabiam do que falava. Se calhar, até deviam julgar que isto que eu digo e penso pode ser uma doença qualquer. Ora, nessas condições, porque nada se faz sozinho, tive que sair e mudar meu sítio de regresso para um sítio onde pudesse eventualmente ter mais cúmplices. No entanto, não me esqueço que a primeira coisa que vi na vida - tenho quase a certeza - foi aquela paisagem ali da janela da antiga sala da maternidade que estava instalada no antigo centro de saúde (se bem me lembro ainda deve lá ter por cima da porta o nome dessa sala de partos, apesar de estar obviamente abandonada).

Lembro-me de a Penacova afluir em regime de residência artística, uma escola de pintura de Amesterdão; lembro-me de um videoclip dos Madredeus a ser rodado no areal do Reconquinho (ainda natural), lembro-me do Carlos Zíngaro a tentar apresentar um disco nas abóbodas da barragem da Aguieira, lembro-me de um fanzine feito em Penacova (“Portuga”) com textos de jornalistas locais e nomes nacionais como o João Peste (fanzine esse depois distribuído à porta do Rock Rendez-Vous, aqui em Lisboa (esse local mítico da história da música popular em Portugal), das festas de transe ali para os lados do Porto da Raiva, lembro-me dos belgas Mardi Gras, BB integrarem Penacova na sua digressão por Portugal e terem enchido o parque municipal a uma quarta feira de Verão,  não me esqueço do Zé Pedro dos Xutos a telefonar porque estava interessado em marcar o regresso da banda em Penacova, lembro-me da fama do Panorâmico (não só pela comida), lembro-me da iniciativa do Trepa Penedos, lembro-me da tentativa de fazer um festival de bandas novas no Parque Municipal (Penacova Rock), lembro-me da Manchete (que deveria ter sido motivo de orgulho) ou tanto se ouvia Stockhausen como Rick Astley  ou até outros “desviados”.

Não falo no turismo de propósito. O turismo e suportar nele todas as esperanças de desenvolvimento é um grande risco. O que se passa nas nossas duas maiores cidades é disso exemplo. Tornar tudo dedicado ao turismo, com preços de nível europeu, tascas gourmet e tal, restaurantes caros (porque se espera que venham turistas gastar dinheiro à terra, nunca dá bom resultado a longo termo). Isso torna os sítios caros e logicamente afasta quem não poderá pagar esse custo de vida, descaracterizando os lugares que passam a ser só sítios vazios de pessoas e, por isso, de “alma”. São os locais, as pessoas que lá vivem que dão aos lugares as cores e a dinâmica necessários para que deixem de ser lugares de paragem para descansar a meio de uma viagem.  Façam este exercício: o que vos traria a Penacova de férias? Se me perguntassem alguma coisa eu diria que prefiro viajantes a turistas.

Sei que o jogo político partidário local trará muita gente entretida que nem pensa nestas coisas. Que pensar em coisas imateriais não dará votos (numa primeira fase pelo menos). Não sou inconsciente ao ponto de não adivinhar facilmente que me estarão a julgar por ter sido dos que fui embora. Mas insisto, ainda assim. Com o fazia na altura aliás.

Deixem-me só acrescentar que não estou a falar de entretenimento nem desporto. Nesse plano, julgo que a autarquia tem atuado (pelas notícias que me chegam) como deve ser e ate despendendo somas avultadas.

Na actividade em que, entretanto me envolvi, conheço projectos no interior que se poderiam adaptar a esta terra. Penso nisso às vezes, mas segundos depois digo para mim mesmo que não vale a pena.  Já falei pessoalmente com alguns responsáveis locais sobre algumas possibilidades e pelo meu lado com pessoas que poderiam ajudar disponibilizando-se de imediato. Existem financiamentos e até existem exemplos de outras autarquias que apoiaram projetos do género Há financiamentos para isso.

Modelos que se aplicariam facilmente e trariam para Penacova outras formas de pensar e até mais clientes para o comércio e restauração local. Não estou a falar de turistas! Estou a pensar em criadores. Em artistas. Há espaços vazios, há programadores disponíveis, há públicos que aparecem/criam lentamente, continuo a ter esta ideia onírica de Penacova como uma terra com mais poesia e com pessoas interessadas nisso.

Os meus votos são então que não pensem apenas em asfalto e em pessoas de passagem. 

Bom Ano!

Alípio Padilha