REFLEXÕES - Ideário de um programa possível




Uma utopia construtiva. A finalidade última de uma qualquer estrutura de assistência social deveria ser deixar de existir! Salvaguardemos as circunstâncias emergenciais e a ‘tese’ tem de se repetir, porque, na imediatidade aparente, parece carecer de lógica. A casa, que é o lar de verdade, com calor e cheiro, ‘ainda’ é ‘o’ lugar de excelência da vida e, consequentemente, da morte, que faz parte daquela. Ainda que cumpra argumentar que as Estruturas Residenciais para Idosos, que já nem Lares formalmente se designam, são um recurso importante, incontornável e estimável, quando o lugar primeiro não se manifesta como espaço capaz, para aqueles que, agora, a letra legislativa designa por clientes. Os projetos que cuidam de matar a fome terão alcançado o sucesso no instante em que se revelarem desnecessários. As respostas sociais preocupadas com as mais diferentes formas de pobreza precisam de aspirar ao seu próprio óbito, porque têm de trabalhar para a emancipação da pessoa e não para a sua perpetuação num ciclo onde a sua dignidade está ferida. A lista poderia ser interminável, mas creio que a lógica essencial dos argumentos fica exposta. Enquanto este ‘sonho’ não existir, corremos o risco de «necessitar» dos vulneráveis para manter estatutos; de competir na solidariedade, conquistando utentes ao ‘adversário’ por sobrevivência; de estruturar ‘empresas lucrativas’, com a «capa» de economia social; de perpetuar um assistencialismo formatado em modelos sem rasgo, que se limita a reproduzir modos de fazer, sem «ler» a realidade, nem «escutar» os destinatários efetivos e potenciais; de fazer da assistência social um ‘trampolim’ pessoal, massajador dos egos em fotografias da praxe ou sossegador da consciência dos protagonistas…

Um desafio: fazer pensar! Prossigamos, com a consciência de estar a colocar na mesa um pensamento da ‘transgressão’, de ‘desobediência’ a um instituído dogmático que apenas existe na cabeça dos instituidores. A perspetiva jamais é a de ‘erguer’ outro dogma, entrincheirado em razões diferentes. O ensejo é somente o de fazer pensar, na seriedade e elevação que promovem as inteligências alheias e as estimulam a pensar pela sua cabeça, mesmo se outra coisa diametralmente oposta. Sem isto, não há espaço público. Ou melhor, haverá, mas reduzido a duas atividades próprias da ‘extinta’ pastorícia: ‘arrebanhamento’ ocasional, segundo as circunstâncias e ‘transumância’ de entretenimento gerador de sonolência e enfraquecedor da racionalidade crítica. Mesmo com a democratização da comunicação, há muitos anonimatos silenciosos, na esperança de assim fazerem carreira, e muitas ‘reflexões’ em fóruns deslocados. E desinvestimento na formação de mentalidades, porque isso não se ‘vê’ de forma mensurável e porque uma comunidade instruída corre o risco sério de ultrapassar ‘o[s] instrutor[es]’.

Uma revolução paradigmática. O que é ‘ação social’ senão cuidar de ‘tudo’? Daqui resulta que, por exemplo, se algum poder de proximidade eventualmente proclamar do alto de uma qualquer cátedra [ideológica?] sem contraditório que ‘o social’ não é competência sua, tem de dizer complementarmente que isso é ‘apenas’ uma opção sua. De contrário, ou não diz a verdade, ou não entende a sua ‘missão’. Do mesmo modo, quando faz equivaler o conceito de «obra» ao exercício típico da «construção civil», tem de escutar que isso é, não só um reducionismo semântico do conceito, como um esvaziamento muito discutível da nobreza do conceito de «Política».

Um modo de ser. Não se vislumbra a possibilidade de pensar um espaço sem ser de forma ‘sistémica’. Simplificando, o termo traduz-se por ‘integrado’, onde tudo tem a ver com tudo e todos com todos. Desta forma, os avós das Estruturas Residenciais para Idosos não existem sem os netos que frequentam as nossas Escolas. Os recrutamentos das associações locais não se fazem fora do mesmo espaço escolar. Os diversos comerciantes vendem para esta comunidade concreta que é filha de quem está nos lares e pai e mãe de quem anda nas Escolas. Os trabalhadores das empresas e instituições terão cada vez mais de ser recrutados no território ou os vencimentos terão drasticamente que aumentar. As lideranças políticas, institucionais e associativas terão de surgir desta massa de pessoas, rotativamente, para serem ‘serviço’ ao bem comum e não ‘profissão’. Num local onde a soma aritmética não dá números grandes, a mesquinhez da ‘separação’ ganha rótulo de ‘ridicularia’.
Uma alavanca. O essencial do investimento humano atual parece jogar-se no sentido de ‘Pertença’. 

Ser do Concelho de Penacova tem de configurar um modo original de ser e estar. No respeito por todos os enquadramentos legais, teremos de encontrar um modo próprio de fazer política partidária, de estruturar projetos educativos e sociais, de dinamizar propostas culturais, de impulsionar associações, de incrementar empresas e empregos, de atrair pessoas, começando por investir nos ‘nossos’… Antes de mais, ‘escutando’ as pessoas, sem agir como se, a priori, soubéssemos exatamente o que pensam sem nada lhes perguntar. Tal prática está em contradição absoluta com a perda de tempo em discussão de questiúnculas pessoais, com pensamentos centrados afincadamente na defesa dos ‘quintais’ privados, com votos a favor ou contra, presenças ou ausências, não em função da validade das ideias, mas da ‘coloração’ dos que encabeçam ocasionalmente a paternidade/maternidade das mesmas. Uma distinção parece essencial: o ‘fulano A’ tem o direito de detestar o ‘fulano B’ e não desejar estabelecer com ele qualquer tipo de relação pessoal; o mesmo ‘fulano A’, que preside à ‘Instituição C’, é, nessa qualidade, obrigado ao diálogo institucional com o mesmo ‘fulano B’, enquanto presidente da ‘Instituição D’. Não entender isto, infantiliza a discussão no/do espaço público, enfraquece a densidade dos projetos, limita a amplitude de possibilidades de um todo, que se vê, deste modo, sacrificado aos interesses das partes.

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